segunda-feira, 27 de julho de 2009

UMA TENTATIVA DE SUICÍDIO


O Ney tinha passado em Oceanologia no vestibular de Rio Grande. Tentou cursar, não gostou e foi pra Santa Maria morar conosco. Ele namorava a C. S., linda e comunicativa, pela qual estava apaixonado.

Numa das minhas idas pra Rosário, o Zé Machão me confidenciou: -“ A C. S. tá saindo com o Sabininho, e o Ney não sabe”.

Chegando em Santa Maria, dei uma rodeada mas contei pra ele, que ficou de mal comigo imediatamente, me chamando de ciumento, fofoqueiro e etc. “Tá bem”, fiquei frio.
Com o passar dos dias, os guris (João, Botinha, Bafo, Lacerda) foram dizendo pra ele muy cautelosamente que “O Loko pode ter razão”... O que o convenceu a falar comigo. Acontece que quando ele ia pra Rosário, anunciava toda a semana pra ela, pra mãe dele e afins, assim ficava fácil pra namorada marcar suas “saídas”. Combinamos de ir lá na metade da outra semana, sem ele dizer nada nem pra mãe, nem pra C. S. e nem pra ninguém. Iríamos de carona pra não chamar a atenção na rodoviária.

Chegamos em Rosário por volta dumas 5h da tarde. Nos ja nos esperavam no Bar da Ponte o Flávio e o Traguinho, onde ficamos até escurecer, bebendo. escureceu,subimos pela Voluntários da Pátria e fomos até o Engenho do Mazzaropi., pai do Zé Machão. Nos entrincheiramos lá pra aguardar os acontecimentos. Não demorou muito, o Sabino estacionou a Brasília na frente do Engenho (pra não chamar a atenção na João Brasil onde morava a “menina”), e em seguida a C. S. chegou, deu uma bicota no Sabininho e saíram.
O golpe foi grande.

No primeiro movimento, os olhos esbugalhados. Um silêncio mortal. E eu e o Flávio que estávamos de acompanhantes, nem um “pio”.(o traquinho ja tinha se retirado)
Aí, quando o golpe chegou no cérebro, foi um urro, seguido de um choro incontrolável que durou uns 10 minutos. E foi se esvaindo, até se acalmar. E nós, quietos.
Respirou, pensou... E disse -“Vou pra casa. Vamos jantar lá. Depois a gente pega a Brasília do pai e vamos dar uma volta. Amanhã eu resolvo isso...”

Dito e feito. Comuniquei a Ida que eu estava na cidade, pois sempre dava fofoca, e lá pelas 23 horas saímos. Pensativos e bebendo não sei o que ele tinha godoziado do Seu Ney. João Brasil, Canabarro, Plácido, Marechal Floriano, Comercial fechado e a gente não tinha pra onde ir. Assim resolvemos: -“Vamos pra zona” (leia-se Isabel). Chegando lá a casa estava lotada. Acontece que toda quarta-feira tinha reunião do Lions e após,os notáveis, em sua maioria, iam pra Isabel deliberar sobre os problemas mundiais.

Entramos, meio mal recebidos pois não tínhamos dinheiro. Sentamos numa saleta, já meio bêbados, escutando músicas selecionadas para a ocasião.

A nossa sorte mudou quando o senhor Clóvis, gerente da Swift, vomitou bêbado, em um dos camarins do salão principal. O que causou um nojo e uma repulsa nas meninas e nos colegas do LYONS. Imediatamente, eu e o Flávio nos prontificamos a solucionar o problema. Fomos no Fundo (lugar bem conhecido), pegamos uma balde com água, um pano, uma vassoura e limpamos o local. Foi passado um Bom Ar, que não resolveu muito, e ficamos ali mesmo. O do vômito, agradecido, resolveu ir embora, e nos fez a desfeita de deixar 12 cervejas pagas, em agradecimento à nossa cortesia!

O Ney tinha se sumido.

Tudo bem, nós sentados no reservado, bebendo, as gurias já tinham voltado, era o que se pediu à Deus! Pois na hora do Fecha, com certeza a gente ficaria “grátis” com uma delas (a Toni, Mari, Gringa... Todo mundo sabe quem é). Tudo ia bem. Quando houve uns gritos da cozinha, e a Isabel chegou correndo no reservado, dizendo:
-“Socorro, Loko! Socorro! O Ney vai se matar!!”

Sabendo da tragédia que se acometia sobre o parceiro, corri pra lá e vi uma cena digna de Hollywood.

O Ney numa ponta da mesa, perto do fogão (toda a cozinha era vermelha), com uma faca serrilhada de mesa, apontando para o pulso desocupado, dizendo:
-“Se vocês chegarem perto eu me mato!”
O Flávio nem deu bola para o alarido.

Pedi pras gurias saírem do local pra eu conversar sozinho com o suicida. E comecei a argumentar que não valia a pena. Mulher tinha aos montes, e ele era novo, se recuperaria do golpe. Mas meus argumentos não estavam ajudando muito... Foi quando o Flávio abriu a porta e pronunciou solene:
-“Tchê, Padilha, VAI A MERDA! Nós nunca temos dinheiro, agora que temos trago, as mulheres tão tudo na nossa, tu vem com essa frescura de se matar. Tu vai acabar prejudicando a Isabel,vai tudo pra Polícia e nós vamos terminar na mão.”

Dito isto, fechou a porta e voltou pro Camarim. O Ney se conscientizou que iria realmente prejudicar outras pessoas, que não tinham nada a ver com o problema dele, o que me facilitou no convencimento...

Após vários outros argumentos, ficou convencido que deveria se matar no cemitério, e eu mostrei as vantagens pra ele. Não ia prejudicar ninguém, não precisava ser carregado pelo Indart e outras despezas,o que renderiam uma baita economia pro pai dele.
Convencido, chamei o Flávio, que contrariado, embora achando a idéia muito boa,concordou, pegou as 4 cervejas que ainda tínhamos direito (a Isabel dizendo “tem que devolver os cascos, tem que devolver os cascos...”), nos dirigimos pra Brasília, tiramos o relógio do Ney, documentos e outros pertences, inclusive uma Santa Rita que ele sempre carrega junto e o sentamos com a faca no banco de trás.

Chegando no cemitério, o Flávio foi logo abrindo o portão de ferro, entrou e foi escolhendo um lugar bem legal pro suicídio. E achou um muito bom, perto do túmulo do Gordo Camargo, com tumbas dos dois lados, para que nós pudéssemos assistir tudo. Abriu duas cerveja, uma pra cada um, e foi sentando. E o Ney nada. Impacou dentro da Brasília, a ponto de termos que chamar e insistir pra ele descer.

Desceu, caminhou uns 20 metros e vi que ele tava sem a faca.
-“Nah, nah, nah, nah! Vai buscar a faca!! Como que tu vai se matar?? Pretende se esgoelar??”

Aquilo demorou uma eternidade... A ponto do Mayer começar a reclamar: -“Vai clarear o dia e tu vai terminar não te matando”.

veio caminhando até onde nós estávamos, parou no nosso meio, pediu um trago, o que foi negado, naturalmente, pra não botar cerveja fora, pois ele não ia aproveitar (conforme disse o Flávio). Nós olhando e ele sem iniciativa nenhuma. Tivemos que perguntar:
-“E aí, vai ou não vai?”
Ele voltou ao choro...
-“Vocês não são meus amigos! Querem liquidar comigo. Eu não quero me matar!”
Jogou a faca fora e disse:
-“Eu quero ir rezar no túmulo da Vovó” (mãe do Seu Ney que havia falecido há uns 60 dias, e era muito apegada a ele).

Saiu caminhando para o centro do cemitério. Pouca luz, se atirou em cima de um túmulo, dizendo:
-“Vovó, Vovó, tu me entende... Sou baixinho e gordo, a C. S. não me quer, o que vai ser da minha vida, Vovó? Me ajuda Vovó, por favor...!”
Ficamos em silêncio, a dor do companheiro não merecia qualquer sussurro da nossa parte. Quando ele levantou, olhou bem para a foto do túmulo e murmurou baixinho:
-“Esta aqui não é a Vovó...”

-“O que que é?”, perguntei eu.
-“Essa aqui não é a Vovó...”

Aí foi o cúmulo! Primeiro não teve coragem de se suicidar. E depois não teve capacidade nem de reconhecer o local onde estava a Vovó. Pegamos a Brasília, a última cerveja (e os cascos), deixamos ele a pé no cemitério e fomos pra frente do Comercial. Dia clareando e ele chegando na frente do Clube. A cara parecia um cusco. Só nos disse:
-“Tudo bem, guris?”
Respondemos: -“Tudo bem...” devolvemos os pertences ea brasila.

E o suicídio ficou por aí...

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