sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O CRUCIFICADO

Estávamos num final de domingo, 21h, eu, César, Diler, Gordo Armando, Flávio, Ney, Edinho, Cabana, Robson, Chibo, Melado, Demitri, Cabeludo... Todos num bar da João Brasil, mais precisamente em frente ao Senhor dirceu franco, prédio do turco Jorge. Todos de bico seco, até que o Edinho decidiu: “Vou tomar uma canha com coca e limão... (samba)”. E seguiu bebendo...



Alguns dos outros já começaram a provar, e terminou que todos seguiram o mesmo ritual. Provando, provando... E a coisa se alongou. Lá pela meia noite, apareceu, não sei de onde, um cristão mais borracho que nós. E começou a encher o saco, se meter nos assuntos, cuspir no chão e na gente, até que encheu de vez.

O Armando então deu a idéia: “Pra gente se livrar desse borracho, só atando... Vamos atar ele na árvore da frente que daí ele pára!” (A av. João Brasil em Rosário é bem arborizada...).

Dito e feito. Como estávamos sem a corda, os guris resolveram usar o varal da mulher do turco. Pularam o muro e pegaram a corda para efetivar o processo. Agarramos ele à unha e o atamos, colocando no tronco principal da árvore... Se lamuriava, pedia pra ser solto, e lá pela 1h30 da madruga, mediante acordo (a nosso favor), resolvemos soltá-lo.

Seguiu incomodando. Neste meio tempo, Seu Ney, pai do “nosso Ney”, chegou de Camionete Brasília que tinha um bagageiro em cima (vaca). Ele morava mais ou menos em diagonal ao bar do Turco (cunhado dele), gerente das Casas Escostégui, que tinha moradia anexa na mesma firma.

Continuou a noite, todos já bebiam quando surgiu a idéia: “Vamos crucificar esse borracho em cima da camionete do Seu Ney que daí ele vai ficar bem à vontade...”

Agarramos ele novamente, atravessamos a esquina, abrimos bem os braços e as pernas do corpo e o atamos. Bem atado... E em cima da “vaca”.

O Edinho e alguns se retiraram após o ato. Nós, ainda não contentes, tocamos a campainha da casa para chamar a atenção, fugimos pra nos esconder e assistir o desenrolar dos fatos.

O Seu Ney abriu a persiana e viu aquela cena. Se encagaçou todo. Mostrava o bico do revólver pro crucificado, dizendo: “Sai daí ou eu atiro! Vou chamar a Polícia”. E chamou.

Veio a F75 da Brigada, camionete velha, pra atender a ocorrência. Nós tínhamos nos escondido dentro de um graneleiro, desses de transporte de cereais, na Bento Martins, em frente a casa do turco Jorge.

A Polícia chegou, desatou o cristão, que não conseguiu se explicar muito, e ficaram fazendo a ocorrência. O Seu Ney fumava, nervoso que nem um condenado.

Nós, ainda não contentes, descemos e demos uma corrida por umas 8 quadras para chegarmos pelo outro lado, como quem não sabe de nada, pra ver o que estava acontecendo.

Voltamos pelo lado do Marçal (Colégio Marçal Pacheco) e fomos nos aproximando discretamente. O Seu Ney viu o filho e foi logo dizendo: “Filho, o que fizeram...”, foi contando o ocorrido e relatando que ele quase tinha atirado no bêbado. A mãe estava em choque, apavorada. Até que o borracho dá uma olhada em volta e diz: “Sargento, foram esses os marginal que me ataram”.

O Seu Ney saltou: “Mas o que que tu tá dizendo?? Esse aí do meio é meu filho e os outros são amigos dele. O que que tu tá pensando???”

O borracho dizia: “Foi eles, foi eles, foi eles. E já nem tou tão bêbado assim...”

Foi, não foi... Começou o rebuliço. O Sargento então tomou uma decisão: “Todos pra delegacia”. Fomos entrando na camionete felizes, quando o Flávio empacou. Chamou o Sargento e falou: “Por favor, Sargento, o senhor sabe, nós fizemos cagada, mas não somos marginais, não nos envolvemos com drogas e o senhor conhece o meu pai! Eu sou estudante de Engenharia e queria lhe fazer um pedido.” O Sargento, consternado e meio constrangido (o João Mayer era dentista da família dele), disse: “Tudo bem, meu filho, faz o pedido...”.

“Sabe”, disse o Flávio, “eu queria ir na camioneta nova (a BM tinha recebido uma veraneio 0km), algemado e com o Pedro Valles para tirar uma foto”.

O Sargento se indignou. Deu um ponta-pé na bunda do Flávio que colou ele na frente da carroceria da camioneta velha, o que motivou os outros a entrarem nela bem ligeiro. “Todos pra delegacia”.

Lá havia 2 celas (boi preto), de dimensão de 1,5 x 2, programado pra duas pessoas. Naquela noite tinha uma gurizada medonha, e nós já tínhamos nos entreverado com eles, os Montezanos(4), o Furacão, Honorino... Só anjinhos. Terminamos ocupando uma das celas com eles. O Seu Mário Cuiudo, autoridade local, totalmente analfabeto, responsável pela delegacia, começou a colocar em seus lugares os desafetos. Uns ditos numa cela, e sobramos eu e o Diler, que ele resolveu colocar numa que já tinha 6 colegas. Não deu outra! Nós estavamos bêbados mesmo! Cumprimentamos os colegas, nos ajeitamos e fomos deitando no chão, tendo os demais que passar a noite na ponta dos pés pra não perturbar (as necessidades eram feitas ali mesmo no chão).

Passada a noite, acordadmos la pelas 7 horas da manhã, loucos de sede, começamos a gritar: “Traz água, M.Cuiudo, traz água, véio maleva”. Acontece que o M. Cuiudo, famoso em Rosário, era mau. Judiava dos detentos, batia, se provalecia, o que já dava um pavor nos colegas de infortúnio. Era mau, mas respeitava as caras (nunca bateu em nenhum de nós, só ficava nas ameaças). Por exemplo, meu pai era 1º Sargento do Exército, irreverente, não levava desaforo pra casa. E milico tinha força. E os guris, todos filhos de pessoas com influência na sociedade, ou com formação acadêmica na classe média. Não demorou muito ele nos trouxe uma chaleira com água pra tomarmos no bico, o que causou espanto nos colegas. Geralmente, nos soltavam 9h, que era a troca do plantão. Naquela 2ª feira, por acaso, Seu Neri Xavier, pai do Armando, que havia sido cedido pela Prefeitura, onde trabalhava, para adiantar na delegacia os serviços técnico-burocráticos que estavam truncados, estava lá; para assumir as funções, de trajo riscado, chegou pelas 7h30, e o M. pediu que aguardasse o delegado Wilianson que iria recebê-lo e apresentar as dependências do estabelecimento, mas já adiantou, pra ser atencioso: “O que tem de vagabundo aí, lota o presídio”.

8h30 chega o Wilianson. Abraços, recepção, equipamentos, salas, locais de trabalho. Foram lhe apresentando o pátio, e depois o pior: o boi preto. Chegando na 1ª cela, eis que vê o Seu Néri. Como o Armando era o maior de todos e tinha asma, ficou junto da porta e foi o primeiro a ser visto. O Seu Neri ,perdeu a linha, mas se recompôs perguntando: “Que tá fazendo aí, meu filho?”

“Pois é pai, como eu sabia que tu ia assumir hoje, resolvi te fazer uma surpresa e te recepcionar, pra tu te sentir mais a vontade”.

Foi um constrangimento geral. O delegado Wilianson chamando o Seu Neri na parte da frente da delegacia, enquanto o inspetor Barreto dava ordens: “Solta todos pelos fundos...”. “E os Montezano?”, perguntou o inspetor Moreira, “solta tudo, solta tudo pelos fundos. Depois a gente recolhe estes vagabundos”.

Nós saímos tranqüilos, mas nossos colegas alçaram vôo em segundos, beneficiados pela inesperada anistia! Não durou um ano e eles acabaram morrendo, nenhum por causas naturais. Mas, foram legais na repartição do hotel comigo e o Diler.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

ORGANIZAÇÃO DO CEMITÉRIO


Nas noites de meio de semana, em uma cidade como Rosário do Sul, nossa terra, não se tem muito que fazer. Mas sempre se pode procurar algo util. Quando não tínhamos pra onde ir, íamos matar o tempo no cemitério, dar uma palavreada com uns conhecidos que já tinham ido, se atualizar sobre as noticias de lá e coisa e tal.

Eu tinha uma camionete, Rural, chamada Rubirosa(bem acomodados cabiam 18 pessoas) que nos servia de transporte para as realizações. Sempre sem gasolina... O que nos obrigava a passar boa parte do tempo útil procurando doações para abastecimento. A Rubirosa, além de não ter gasolina, também não tinha banco atrás, aliás, também não tinha tanque, apenas um galão de 5 litros, atado nos pés do carona.

Na SAFURFE, drogas ilícitas, nem pensar, e aqueles que queriam oferecer ou coisas do tipo, já nem chegavam perto que sabiam que ali não era o lugar. Os usuários se excluíam ao natural, e conforme, nos dava “pau” neles. Era a grande diferença da maioria das turmas do centro da cidade, e até hoje, continuamos mão-de-ferro contra drogas.

Em compensação, as lícitas, canha, vinho, rum, cerveja, conhaque... Eram idolatradas! Muitos experimentavam as ilícitas, alguns até gostavam, mas com a pressão interna, se afastavam dos toxicos. e permaneciam na SAFURFE, já que nós garantíamos, o retorno pra casa. Sempre protegemos uns aos outros.

Também nunca usamos armas. Confiávamos apenas na nutrição. Todos eram atletas, bem nutridos. Após praticarmos esportes o dia todo, ainda sobrava energia pra gastarmos durante a noite. Na verdade não precisávamos nem das lícitas pra dar risada.

Numa dessas noites, já passando pra o outro dia, resolvemos, já que não tínhamos nada pra fazer, irmos pro cemitério. Combinamos tomar umas canhas, já que lá ninguém iria encher o saco e nem nos prender.

Dito e feito. Levamos a canha e a Coca-Cola (a Pepsi era muito doce, eo flavio gostava , assim, mais picantezinha). Fomos na Rubirosa, a gasolina pouca, mas conseguimos chegar ao destino, o que era bom, já que não tínhamos muita opção de abastecimento naquele momento.

Entramos, ficamos lá no meio conversando e rindo. Os guris eram Cabana, Vico, Chibo,eu José, Ney, Flávio,cezar, Cosme, Dilermando, Robson, e não me lembro quem comentou: “A coisa é desleal. Olha só, esses ricos levam vantagem! Tapados de coroas e das velas grossas..... E olha bem os mais pobres, sem nada... Como é que vão ser vistos por Deus?”

Aquele comentário, que não tinha maiores pretensões, gerou um ar de indignação cadavérica.

“Vamos arrumar o cemitério”.

E começamos. Juntamos todas as coroas bonitas, flores, arranjos, e fomos colocando naqueles túmulos mais humildes. Os copos de leite murchos, as rosas e margaridas, que repousavam em latas de legumes, foram pra os túmulos dos mais privilegiados, os providos de sorte em vida.

Lá pelas 4h da madrugada, com tudo pronto, sobraram umas 6 coroas de bom porte. Estávamos já sem criatividade, e sem canha, onde elas poderiam ser usadas. Resolvemos ir embora, colocamos aquelas 6 coroas no Rubirosa e largamos. Na esquina da 7 de Setembro com a Canabarro, a gasolina acabou de vez. Colocamos as coroas no pescoço, afinal, se deixássemos na camionete, iamos deixar rabo. Todos ébrios, cantando e fazendo festa, mas lembrando de buscar a Rubirosa no outro dia, que, imobilizada não iria a lugar nenhum.

Dobramos a Riachuelo à esquerda, arrancamos uma placa que estava caindo perto da esquina. No meio da quadra ficava a casa da g. P., onde colocamos a placa no jardim por dentro do portão. Penduramos junto 2 coroas maravilhosas. Demos uma pedrada na porta e corremos sem esperar o resultado.

Seguimos, João Brasil, Bento Martins... Na esquina, o Ney já ficou em casa. Em direção á minha residência, a parceira já estava desfalcada e cada vez se dissipando mais. Já depois da casa do Ney, estávamos apenas eu, Flávio, Cabana e Chibo (Caio Villanova).

Na metade da quadra, morava a Dona Salustia, que tinha perdido o marido e tinha um medo mortal de morrer. Deu o brilho nas mentes: “Vamos colocar uma coroa pra Dona Salustia”. Antes da porta tinha um alpendre... Penduramos 3 coroas, para que pudesse ser vista ao abrir da persiana. Não contentes, arrumamos um papel pardo onde escrevemos um bilhete bem visível. Dizia: “SALUSTIA, EM BREVE VENHO TE BUSCAR. ASSINADO: ALBERTO”.

Batemos bem forte na porta até confirmar que havíamos acordado os moradores, corremos até a esquina pra vermos o resultado.

Foi dramático. E veio até ambulância. Chamaram o Ari, filho adotivo, baita borracho, pai dos menine., para fazer o acompanhamento.

Não tínhamos mais nada para realizar, e resolvemos ir embora. Eu e o Flávio pra um lado, o Chibo e o Cabana pela outra rua, encarregados de se livrar da coroa que tinha sobrado.

7h e pouco, eu dormindo que nem um anjo... A Ida acostumada a levantar cedo, enquanto o Alver tomava mate, ia varrer a frente da casa. Meu quarto era na sala da frente, num móvel que se abria, e a cama ficava fechada durante o dia, era uma estante.

Me acordei com aquela louvação: “Ai, meu Deus... É despacho! É coisa de caboclo, encomenda... Chama o Padre Antônio pra benzer e passar água benta na casa toda”.

O Chibo e o Cabana, antes de ir embora, resolveram passar na minha casa e me contemplar com a dádiva que havia sobrado, deixando a última coroa atada na fechadura da porta. Ouvi o Alver dizendo: “Mas te acalma, mulher! Isso não é coisa de religião, vamos ver o que é isto...”. E ela se escabelando!

Levantei e logo entendi o que tinha se passado. Fui até a porta, desatei o presente e levei até o pátio, guardando no galpão, pra depois ver o que fazer. A Ida, em descontrole, dizia: “Não toca, meu filho, que vai te secar as mãos. Espera o padre...”.

O Alver logo viu que tinha truta no anzol. Sentou e tomou mais uns mate. A Ida de escapulário, rezava o terço. O ambiente tava cavernoso. Me levantei perto do meio dia, a coroa no galpão. Deus é grande, foi a minha sorte. Vejo subindo pela Bento Martins, vindo da Vila Progresso, uma carroça, trazendo um caixão ocupado,cortejo de uma gente bem humilde, pra um enterro no cemitério municipal. Ao passar na frente, sem ninguém de casa ver, aproveitei e doei a coroa para o falecido, em nome do Sargento Alver, o que os deixou muito agradecido.

A Ida não entendeu onde foi parar a coroa. O Padre foi de tarde dar as bênçãos, mas não achou nada. Segundo eles, foi Deus... O Alver não engoliu.!

A MORTE DO POPOIO


O Popoio, Cândido Levi (pai do Luiz Cândido), com larga vivência, cozinheiro de mão cheia, já tinha feito de tudo que é bom. Viajava pelo mundo em navios como cozinheiro, para contrabandear perfumes e whisky, difíceis de conseguir na época, o que rendia excelentes lucros.

Não contente com as viagens, mas já com a clientela pronta, fez um intercambio tecnico com um primo e aprendeu, lá no Urugua,a falsificar wiski, primo este muy ligeiro, o Dino , que logo foi superado, com louvores pelo aluno.(em perídos difíceis eu ajudava na distribuição dos importados). A atividade ia bem. Durou alguns anos, mas ele terminou descoberto e perseguido pela lei algumas vezes, teve que suspender o negócio por causa do excesso de “mordidas” dos home.

Acabou como banqueiro do jogo do bicho, acreditando nos lucros, o que no fim terminou com sua saúde (eterno boêmio, era o único bicheiro que falia a cada apuração!). Antes de cada sorteio da Loteria, já tinha tomado um litro de café e fumado dois maços de cigarro. Durante a divulgação dos resultados, a aspirina funcionava. Cada vez que sorteavam uma centena que ele não queria, era um “xilique”, que durava até a proxima apuração.

O Popoio tinha sido internado no Hospital da Vila Nova (Porto Alegre, onde morávamos) com deficiencias respiratórias e cardiacas. No domingo, uma semana após a internação,domingo a tarde, ligaram do hospital pra casa dele, onde eu me encontrava, e nos informaram de sua morte.

Eu, com pouca experiência com morto, chamei o compadre Ike, que estava de plantão no Hospital Conceição. Ele conseguiu se liberar e se apresentou com aquele ar de gerente de enterro, encaminhando tudo. Ar este que eu só tinha visto no Tio Nico.

Levaram o corpo para o São Miguel e Almas. Isto já era noite... O quórum era pequeno e com tendencia a diminuir, e acabamos ficando apenas eu, o Ike e o Luiz Cândido.

Passou a meia noite, esfriou,e nós com fome e frio, resolvemos procurar um lugar pra comermos alguma coisa. Fechamos a porta da capela velatória e saímos. O Ike, médico entendido, já disse: “Nem esquentem que ele não vai fugir daí...”

Encontramos uma lanchonete na parte externa do cemitério que ficava aberta 24h para essas ocasiões. Ninguém tinha intenção de beber, pois estávamos realmente chateados. Todo domingo tinha churrasco na casa dele, e os de Rosário que conviviam conosco, fosse uma vez ou outra, iam junto (Ney, Flávio,eunice, Dinho, Baixinho, José, Cabeludo, etc.).

Mas como o frio era grande, resolvemos, antes de comer, tomar uma vodka com limão pra esquentar. Aquela primeira puxou outra... E mais outra... Terminando um litro. Acabamos não comendo nada e levamos mais de meio litro do liquido, pra caso esfriasse mais. Afinal, a madrugada era longa.

Voltamos pra capela, e ficamos lá elogiando os feitos do Popoio... E já imaginando a falta que iria fazer, principalmente nos domingos... Seguiu a madrugada, quando o Luiz Cândido fez o seguinte comentário: “Bem que o papai poderia ter deixado um ‘número’ pra nós, né Ike, já que ele era do ramo...talvez tenha alguma influencia...”.

Os dois eram fanáticos pelo jogo do bicho. Sem muito alarde, começaram a dar uma olhada, pela tampa e laterais do caixão... Eu já fui entrando embaixo também, procurando a sorte, mas por ali não havia número nenhum.

Sem desanimar, concordamos que ele poderia vir a estar deitado em cima do número da sorte, e resolvemos examinar. Levantamos o tronco dele, eu e o Luiz Cândido, e o Ike examinou tudo, até embaixo do forro. Até o Ike recolocar as tachinhas da forração, ficamos uns 20 minutos agarrados no Popoio com o tronco dobrado.

Deitamos o tronco e levantamos as pernas. Mesmo procedimento e nada. Resolvemos então desistir. Colocamos o Popoio na posição inicial, mas ele não voltou pra seu estado original. Com aquela flexão, os pés ficaram mais altos do que o caixão. Mas como estávamos na presença de um Dotô, especialista em rigidez cadavérica, resolvemos seguir os seus conselhos: “Aperta os pés e segura um tempo, que em seguida ele volta ao normal”.

Não voltou. Era só largar e os pés subiam...até melhorou um pouco, entrou pra dentro do caixão ,as pontinhas do salto dos sapatos, e o nosso tempo ja estava se esgotando.

Sempre orientados pelo Dotô, tomamos uma decisão. Tiramos o Popoio da urna e o colocamos de bruços em duas cadeiras, sendo uma no peito e a outra próxima aos joelhos.

Em princípio, pressionamos com cuidado, mas depois tivemos que colocar o Luiz Cândido, que era o parente mais próximo, debruçado em cima dele até restabelecermos a posição que queríamos, já que com sutileza, não estava funcionando (a roupa que a funerária vestiu o Popoio era aberta na parte de trás, e durante a aprumação, os gomos ficaram expostos...).

Colocamos ele de volta no lugar e organizamos tudo como antes, mas ele ficou um pouco empenado, passado do ponto, o que chamou a atenção da Tia Íria, a viúva, irmã da Ida, que chegando no local pelas 6h da manhã, logo perguntou: “Meu filho, teu pai ta inchando? Parece mais barrigudo...”.

Quem olhava pra cara do Popoio, tinha certeza que ele tava rindo, só não sabia o porquê...

A Vera chegou, se interou dos acontecimentos da noite e deu um ataque de riso. Não conseguia olhar pro defunto, o que gerou um comentário da viúva: “A pobrezinha ta nervosa... É normal...era como uma filha pra ele”

Seguiu o velório. Encomendamos uma coroa em súcia, eu e o Ike. Já o Luiz Cândido quis uma só dele. A nossa chegou primeiro, bonita e vistosa. Dali a pouco chegou a do Luiz Cândido, com umas flores já pendendo pra desidratação. Não deu outra! Começamos a gozar que a coroa dele, apesar de mais cara, era de segunda ou talvez terceira mão. Até que não aguentando a pressão, chamou o fornecedor, dizendo que a nossa era mais viva, e ele não iria pagar por aquela usada.

Discutiram, o cara saiu e não falamos mais no assunto, mas continuamos a fazer “senhas” pra ele, mostrando a coroa. 11h e já se aproximava o sepultamento, o Padre “encomendando” o corpo (o que não ia influenciar muito). A capela bem concorrida, quando entrou uma baita coroa e substituiu a outra. O Luiz Cândido, na cabeceira do caixão, cheio das lágrimas, procurou eu o Ike com o olhar, não agüentou e perguntou: Qual a coroa mais bonita agora? olhem bem!! Ganhei da de vocês!!!”seus palhaços.

Ficamos quietos. Seguimos o cortejo até onde seria o sepultamento. Quando estávamos colocando a urna no “apartamento”, 2º andar, o Luiz Cândido se virou o Ike atras dele,dizia: “Ike, olha o número!! Ta aí!! Olha o número”. Cada “apartamento” tinha quatro unidades... Ninguém entendia nada, só eu, o Ike e a Vera.

Terminou o féretro e fomos pra casa. Os dois jogaram no bicho o número da tumba por 3 dias seguidos, e nada.

No sabado, 6 dias após, deu o número do ap. do popoio inteiro invertido no 1º prêmio da Loteria Federal. Mas eles já tinham parado de apostar no finado.

CASOS DA SAFURFE - O CAIXÃO


Estávamos em pleno carnaval. Era terceira noite, a SAFURFE (Sociedade Amigos Furões de Festa) desfilando pela João Brasil com trator, 2 reboques, chopp à vontade (como sempre), umas 40 pessoas participando. Íamos até o Ervilhão e voltávamos pela Canabarro.

A beberança começava às 4 horas para os que tinham ido dormir, os demais continuavam por cima dos reboques sem pregar o olho, era o Cabeludo, Flávio, Chibo, Robson, Demitre, Diler, Armando,gaspar bertoldo... E isso ia até a quarta feira de cinzas samba em alta, baita folia.

Só que só passear era pouco pra SAFURFE. Quando voltávamos pela Canabarro, passamos pela Riachuelo (era mais ou menos 6 da tarde) de fronte a funerária Indart, que estava aberta e com seus produtos na vitrine.

Fui iluminado por uma idéia brilhante! Acompanhado pelas mentes privilegiadas que sempre se uniam à minha, decidimos: íamos pedir um caixão emprestado para o Flávio Indart e fazer um velório durante o baile. Todos de acordo.

O trator seguiu seu trajeto. Eu e o Robson Prates fomos à funerária pedir o objeto emprestado, poderia ser até com um pouco de uso.

Chegamos ao local, batemos palmas, chamamos pelo nome, assoviamos, e não apareceu ninguém. Decidimos então que levaríamos um de qualquer forma. Escolhemos o que parecia o mais inferior, e no outro dia devolveríamos.

Pegamos a peça completa: tampa, visor e Cristo na tampa. Saímos para o lado da João Brasil e entramos à direita em direção ao Comercial com aquele caixão na cabeça, entre meio troteando. Durante nossa passagem acontecia a maior reboldosa... Se benziam, rezavam... Os mais emotivos queriam saber quem era, o que não respondíamos mais pela pressa de esconder o objeto do que inventar algum finado.

Alcançamos o trator e colocamos o caixão no centro do reboque para não chamar a atenção. Seguimos fazendo a festa e planejando o velório.

Preparamos tudo. O morto seria o Cabeludo (estilizado, claro, e porque dormia quase todo o carnaval de bêbado), o Padre seria o Chibo, a viúva a Neusa Righi, seguidas de uma meia dúzia de carpideiras, Sheila, Mauren, Viviane, Nadia, Dagmar, Vera, Nanica, Denise, etc... Os demais portariam velas e encenariam os momentos tristes.

O baile já tinha começado quando, apesar da tristeza e do ressentimento, entramos no Clube subindo para o salão. O caixão na frente carregado acima dos ombros pelo César, Cosme, Edinho, Robô, Armando e Robson. Deram algumas voltas no salão, horrorizando alguns foliões, causando certos desconfortos e embaraços, mas que foram imediatamente superados pelo álcool. Nos dirigimos para o nosso canto no meio de todo aquele sentimento...

Colocamos o caixão, já devidamente ocupado, em cima de duas mesas, seguindo o funeral... Regados à vodka, cerveja e whisky, a festa seguiu. O cabeludo assumiu seu papel com maestria, não parando de beber nunca, embora deitado (o que gerou um ainda porre maior que o que estávamos acostumados a ver).

Baile terminando, resolvemos levar o caixão para o pavimento inferior do Clube, e o colocamos atrás de um balcão, para devolvê-lo na próxima tarde. O Cabeludo, consciente de seu papel de morto, teve que descer a escada ajudado, devido ao porre federal. Se escorou no balcão, viu seu leito e resolveu dar mais uma sesteada para se recuperar, e ninguém viu ele lá.

Terminou o baile, todos se retiraram, o clube foi fechado e ele ficou dormindo. Lá pelas 10 horas da manhã, as moças que faziam a limpeza chegaram, fecharam a porta da frente e começaram seu serviço. De tarde tinha baile infantil, então começaram o trabalho pelo andar superior.

Estavam todas no salão quando ouviram alguns ruídos no andar de baixo. Como estavam todas lá em cima, foram espiar com cautela a origem do barulho. Assistiram a seguinte cena: o cabeludo maaaaal, se levantou do caixão, foi no banheiro, mijô, voltou e se deitou novamente no caixão.

Bateu o pavor! Saíram pra rua, abandonando o serviço, e nenhuma se animava a chegar perto. Rezavam bastante, pois segundo elas o morto tava vivo!

Ligaram pro Presidente do Clube, que não atendeu. Então chamaram o ecônomo, que era o João Alberto Nascimento (tio do Baixinho da copa!).

Ele olhou a situação e se dirigiu até elas: “Párem de frescura! Esse aí é o Cabeludo, mas deixem este borracho quieto, que ninguém agüenta este enjoado acordado...”

Lá pelas três da tarde levamos o cabeludo para tomar banho. O corpo fedia... Guardamos o caixão numa sala no pátio do Clube, e terminamos esquecendo de devolver, mas também não houve solicitação de reintegração de posse.

Ficou por lá uns dois anos e terminou sumindo, ninguém mais viu. Só o cabeludo ainda deve ter saudades.