segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O PNEU

Nossa transição da infantilidade para adolescência foi pela General Osório, entre as ruas Bento Martins e Barão do Rio Branco, em Rosário do sul. Ali fora nosso espaço de vida, tendo como referência o Posto Texaco. Tínhamos uma turma de jogar bolita, futebol na rua que não era calçada, e nos reuníamos... Eu, Flávio Mayer, Chibo, Nando (Fernando Ribeiro), Cabana, Cândido, Gordo (irmão do Cândido), Beto, Roberto (filho do Seu João e da Dona Ilda do INPS), mais as gurias, a Suzana (irmã do Beto), a Vera (minha irmã) e a Eunice. Esses e mais o Dirceu, que como empregado da Marlene Zago, era o explorado do posto. Nessa época, nós tínhamos um medo mortal da Marlene. Quando alguém gritava “Aí vem a Marlene”, era um Deus-nos-acuda...

Atrás do posto tinha um reservatório de água, para lavagem de carros, e tomávamos banho dentro, o que a deixava furiosa. Numa feita, num fim de semana, o Sargento Cândido, pai do Cândido e do Gordo que moravam ao lado do reservatório (homem muito gordo), resolveu se refrescar no tanque junto conosco. Mas quando deu o alerta, ele não conseguiu sair a tempo e entalou. A Marlene descarregou um repertório de palavrões sem cabimento pra o homem(logo ela que era cheia dos pecados) que ele nunca mais quis praticar natação na nossa piscina!

Bueno, quase ninguém tinha televisão na época. Na frente do Flávio tinha uma, do Seu João que veio de Canoas e morava ali junto com a mulher e os filhos, numa casa bem antiga. Nós ficávamos a maioria na janela, pelo lado de fora, vendo os chuviscos. Conforme o nosso comportamento, ele não deixava nem espiar, como castigo. O que gostávamos de assistir era o “Ring 12 LiquiGás”. Nossos ídolos era o “Fantomas”, “Teddy Boy Marino”, e etc.

Numa noite, durante uma pelada na rua, pelas 21h, o Roberto nos chamou urgente ,pra ver pela janela uma brincadeira nos Estados Unidos, onde uma pessoa entrava no centro de uma câmara de borracha,onde ficava preso por uma rede. Largavam a pessoa numa pista protegida, onde ele descia em declive. Davam saltos e coisas do tipo, e nós achamos aquilo a coisa mais linda.

No outro dia, o Nando e o Chibo, que vinham após o almoço (depois da aula)pra brincar e tinham visto a novidade, contaram ter visto um pneu de trator, desmontado no Texaco, que era de propriedade do Seu Alcides Zago (marido da Marlen - informação colhida junto ao Dirceu).

Em diagonal ao Texaco morava o Seu Macedo (Vô da Rosângela e da Viviane) que tinha uma loja de calçados e criava galos de rinha no pátio, em gaiolas que eram suspensas do chão, todas em fila e tudo bem organizado, cercados por um muro.

Fomos ver o pneu e já o trouxemos junto pra frente da minha casa e da Vera, e que era o ponto mais alto da rua, com um declive duns 30 metros. Até a esquina deveria dar uns 120 metros...

Ficamos ali sentados no pneu e esperando que algum pato resolvesse fazer a viagem. Foi quando vimos o Beto e o Roberto saindo de casa para se juntar a nós, e fingimos discutir quem iria primeiro. O Roberto chegou e já se intrometeu: “A idéia foi minha, eu que chamei vocês. Eu tenho direito de ir primeiro...”.

Concordamos com ele imediatamente. Ele realmente tinha este direito...!!!!

O Beto dizia: “Não vai, não vai, que vai dar zebra. Tu vai te machucar e o pai vai te dar pau...”. Enquanto isso, a gente convencia o Roberto: “Capaz que tu vá te machucar, entra logo nesse pneu. Se tu não te anima, vou eu, capaz que alguém vá se machucar!”

O Roberto entrou, e fomos posicionando ele na descida. E antes que ele pudesse se arrepender, o empurramos ladeira abaixo... Mas nossos cálculos não funcionaram... Após uns 30 metros, e já com uma boa velocidade, o pneu bateu numa pedra, levantou mais ou menos 1 metro do chão e começou a pender pro lado esquerdo. Quando chegou no cruzamento, tinha um valo feito pela água. Foi aí que ele subiu mais uns 3 metros, aterrisou no meio da rua e subiu de novo, indo parar no muro do Seu Macedo,o derrubando... Entrou no meio das gaiolas dos galos e o que não derrubou, ele quebrou, espalhando todo o bicharedo e indo só parar no outro muro, depois de bater numa laranjeira.

A nossa debandada foi geral. O Beto, sentindo a tragédia, avisou a Zuleica, irmã mais velha e de poucos sorrisos, e foi correndo para o INPS pra chamar o pai e a mãe deles. O “pneunauta” Roberto, teve 2 costelas quebradas, luxações por todo corpo, um corte na testa, ficou rengo por uns 30 dias e quase terminou o ano infrequente no Colégio Marçal Pacheco.

O Seu João fez queixa pra todos os pais, nos cortaram a mesada e a junção na rua; também nos cortou o “Ring 12”, proibiu os guris de falarem conosco e nós ficamos uns 2 meses evitando de passar na frente da casa dele, quando não estava trabalhando. Os galos do Seu Macedo se espalharam de uma maneira que tiveram que esperar a noite para juntá-los, empuleirados em algumas árvores da vizinhança.

O Seu Macedo tinha problemas de audição, e não entendeu direito como o desastre tinha acontecido. Colorado doente, costumava ouvir os jogos do Inter através dos nossos sinais. Pessoa sensacional, continuou nosso amigo. Hoje mora nas nossas lembranças e mentes, e principalmente, no coração.

OS PELADOS (A vingança do Japonês)

O João namorou na Faculdade uma colega de sobrenome Trevisan. Diziam que era chegada nos pilas, e deveria ser mesmo, pois as caronas e as visitas que fazia ao mesmo eram sempre em carro do ano. Só que pra namorar o João, alguém ficou fora da fila (as boa nunca estão sozinhas, e se estão, deu defeito...).

Num fim de semana ficamos em Santa Maria somente eu, o Ney, o Japonês e o João. O Lacerda não desgrudava da Fátima, o Bafo da Cibele, o Botinha de guarda na Base e o Estevão controlado pela Tudinha Amaral (nós também tínhamos medo da Tudinha)

Naquele sábado tinha uma festa da Veterinária, e o João nos convidou. Fomos os 4. Aperitivamos um Velho Barreiro com Cola-Cola antes, pois lá dentro o dinheiro ia ficar curto. Ele, João, tinha meio que se desentendido com a namorada (colega dele) e nós não sabíamos. Fomos ao local, Clube Santamariense, na Venâncio Aires. Compramos os ingressos e entramos.

Não tínhamos nem chegado no salão e já recebemos a informação que a namorada, que agora era ex do João, tinha voltado com o ex dela. Íamos subindo as escadas, e foi quando o João viu o re-enlace que havia acontecido. Ele ficou frio, pois não era de rolo.

Mas o atual da ex-namorada do João, também o viu. Sem mais nem menos, se veio pro lado do João, tipo assim, touro bem brabo e ferido. Ninguém esperava aquela reação desnecessária, e junto com o cara vieram 6 colegas, que já acertaram o João de prima. Não ficamos parados e reagimos (bem rápidos e quase à altura)... Mas eles nos babaram a pau, e fomos retirados pra fora do baile pelos seguranças, sem conseguirmos tocar no chão até a rua.

Perdemos o dinheiro do ingresso (que claro que não quiseram nos devolver) e ainda sofremos algumas ameaças. O João perdeu a namorada, mas acho que terminou ganhando, pois já tinha dado uns galopes suficientes no corpo. Nos retiramos, pelados ($), algumas dores no corpo e no ego, subimos a Venâncio, entramos na Av. Rio Branco em direção à GARE, e em frente à Catedral sentamos, ficamos conversando, meio desnorteados, até que o Ney teve uma idéia: “Vamos fazer uma corrida até em casa. Quem perder paga um Barreiro.”

Aceita a proposta. Mas com uma condição: “Vamos correr pelados”.

O Japonês (Cléber) não aceitou, e propôs: “Eu vou na frente, levo a roupa de vocês e abro a porta do edifício”. “Beleza”, concordamos. Nos escondemos atrás de uma carrocinha de cachorro-quente no lado da Catedral, nos pelamos e ficamos só de sapato e meia.

O Japa pegou nosso vestuário e se mandou em direção ao Brillman. Deixamos ele andar umas 3 quadras e saímos correndo ladeira abaixo, pelados e gritando: “Iauh hu huu...”.

Era uma festa!!

Na esquina da Silva Jardim com a Rio Branco, tinha uma delegacia da Polícia Civil e um posto de gasolina chamado Cilindrão. Para nosso azar, bem do lado do cilindrão, estava estacionada uma Veraneio da BM com 5 PM´s dentro. Passamos lotado por eles. Eu na frente, depois o João e mais atrás o Ney, que estava em desvantagem, pois corria com um sapato de plataforma com uns 15 cm., que ele usava pra ficar mais alto.

Quando viu o camburão, parece que turbinou, pois passou por nós com tudo! Chegavam a saltar chispas das plataforma! Os PM´s demoraram um pouco pra se organizar, o que deu tempo pra chegarmos na nossa porta, que ficava de frente pra Ernesto Becker. Fomos entrar. Estava tudo bem trancado. Chamamos o Japa e nada, mas já ouvindo a sirene do camburão.

Seguimos correndo pela Ernesto Becker até o posto que ficava uns 50 metros à frente. Entramos pro pátio do posto, e nos atiramos dentro da rampa de lavagem e lubrificação que era puro barro e graxa, ao ponto da plataforma do Ney ficar só com os topes do cadarço de fora, e nós até as canelas de barro. Os Brigadianos passaram umas 3 vezes pela rua, já sem sirene, e desistiram. Aguardamos uns 20 minutos e fomos de novo até a porta pra ver se alguém abria ela pra nós, ou pra tentarmos arrombar, ou coisa parecida.

Chegamos na porta e lá estava o Peninha Amaral, apaixonado e cuimento, se despedindo da Leila do Correio (do qual era namorado e ela nossa vizinha, morava no 2º andar).

“Abre a porta, Peninha. Deu uma zebra conosco”, pedimos.

O Peninha, tomado de um pudor desmedido, primeiro tapou os olhos da Leila pra que ela não visse a cena, e logo começou a nos dar lição de moral... “Vocês não respeitam ninguém, onde já se viu, tinham que ir pra cadeia”, etc., etc., etc.

Tava enfezado no discurso, quando a Leila empurrou ele pra um lado, dirigiu a chave pra abrir a porta e disse: “Fecha essa matraca! Tu não vê que os guris precisam de ajuda?”

Abriu a porta e subimos correndo. O namoro deu crepe ali mesmo. E convenhamos: a Leila era muita bonita (e boa). O Peninha era isso que ainda anda por aí, agora até está um pouco melhor. Ela era demais pra bola dele...

Chegando lá em cima, nossas roupas estavam na cozinha, e nada do Japa. Apareceu em casa dali uns 4 dias, com uma cara que mais parecia um sorro. Nós não falamos nada, nem ele. De tanto fazermos judiaria pro Japa, entendemos que essa fora a maneira que ele achou pra se vingar das nossas sandices. O bom cabrito não berra...

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

É CARONA, PAI.

Num final de madrugada, domingo, dia claro, o Flávio estava num colóquio amoroso com sua prenda, M. O., ao lado do colégio das freiras. Naquela época, 78, 79, um amasso era o maior escândalo. E o dito já tinha passado do amasso há muito tempo (motel não existia, e se existia não havia dinheiro).

O problema era que o João Mayer, pai do Flávio, tinha proibido ele de ser preso. Ele já tinha sido recolhido aos costumes (Boi Preto) 12 vezes (no total acabaram sendo 16 vezes, e nesse quesito, naquela época, ficamos empatados), e havia a sentença do João Mayer: “Se tu for preso novamente, tu nem fala comigo e nem com tua mãe, tu junta tuas coisas e sai de casa. No mínimo tenha vergonha na cara, pois vergonha tu me causa todos os dias perante os amigos e clientes.”

O Flávio estava tão envolvido no confronto, que não viu um gauchinho assistindo o entrevero. O gauchinho se ofendeu e foi até a delegacia prestar queixa do que tinha visto, segundo ele uma "estrupação". Nem sabia quem era, mas o quadro atentava contra os bons costumes.

O Moreira e o Rubilar, inspetores de plantão, não podendo evitar a denúncia, pegaram a Rural preto e branco da Polícia e se dirigiram ao local. Lá chegando, a Prenda já tinha se recolhido, só estava o Flávio se ajeitando. O Moreira só olhou, já conhecendo a figura, e disse: “Vamos, Flávio. Pra delegacia, que te denunciaram de estupro”.

Acontece que o João Mayer tinha um torneio de golfe que começava cedo, e sua passagem para ir ao local era pela Rua Marechal Floriano, em frente ao colégio. Morava na General Osório, e quando dobrou na esquina, viu o Flávio entrando na camioneta da Polícia que saiu rodando. Acelerou, já raivoso, encostou do lado, não disse nada, só olhando... Quando o Flávio vê ele, e quase entrando em pânico, começou a gritar: “É carona, pai. É carona, pai. Acredita! É carona, pai!”.

O João Mayer só apontou o dedo na outra direção, como quem diz “mas tua casa é pra lá”.

LOKO E DERLI PIETRO NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Eu já morava em Santa Maria, quando um funcionário que trabalhava na minha casa, entrou na justiça, reinvidicando seus direitos, direitos esses orientados pelo profissional que defendia seus interesses.

Eu nunca fiquei devendo pra empregado. Sempre paguei mais do que rezava o contrato de trabalho, geralmente verbal, pois nunca emitia recibo de pagamentos. Sempre confiava, pois não aceitava o fato de que tudo que sempre foi tratado de forma correta, deixaria alguém com o peito de cobrar o que não merecia. Mas o dinheiro acabava. É nessa hora que apareciam os advogados, geralmente incompetentes, mal formados, que os convenciam de direitos exorbitantes que ainda tinham a receber, os chamados “porta de cadeia”, que se intitulavam “Doutor” (os advogados se apropriaram da palavra Doutor, que muitos não sabem nem o que é, mas mesmo assim se tratam pelo título).

Chegando em Rosário, pedi para o Derli Pietro me acompanhar, pois eu não tinha nenhum profissional da área contratado para me representar. E fomos pra audiência.
Chegamos antes da hora aprazada, e ficamos conversando na sala reservada aos bacharéis. Daí a pouco chegou o advogado reclamante, que tinha sido constituído como o defensor, o Doutor “A. E.”. Chegou lá todo trêmulo e arrastando os pés devido a uma doença que o acometia. Dizia ele que era Parkinson, mas dizem que na verdade ele andava mexendo com ossadas e caveiras num cemitério do Caverá (e parece que tomou um pau...).

Nós sentados, ele tremendo e eu perguntei: “O que que tu tens?”
Ele me relatou seu infortúnio, o que gerou ainda outra pergunta: “Mas porque tu não procura cura?”.

Ele me disse que não tinha cura. E eu disse que ele tinha que estar brincando! “Olha pras minhas mãos, eu era muito pior que tu, não conseguia nem tomar água, só segurando o copo com as duas mãos e com alguém me segurando a cabeça, senão não tinha jeito”, e disse isso esticando as mãos bem firmes pra ele ver.

Isso gerou um interesse imediato no galo, que passou a me questionar como eu tinha conseguido a cura. Relatei pra ele que em Porto Alegre havia um Senhor chamado Heitor que curava esses males só com benzedura e fórmulas caseiras, mas que o acesso até ele era difícil (e era mesmo!), mas que eu poderia conseguir através da senhora Alda Pasquetti (mulher do vice-governador), que tinha sido cuidada por ele “como eu”, e cuja cura havia saído em diversos jornais. Ele concordou e disse que até havia lido a matéria.

De imediato me comprometi a dar o endereço e o telefone do curandeiro, pra resolver seus problemas. E fui bem franco: “Vamos esperar o resultado da audiência pra eu te dar o retorno...”. O Derli sem entender muito, assistia o assunto com atenção, mas sem fazer nenhum comentário.

Fomos chamados na presença do Juiz, por azar o mesmo que tinha prometido me prender em uma audiência anterior quando chamei ele de tendencioso, pois tendia sempre contra o empregador, e que de uma maneira ou de outra, quem sempre terminava desembolsando era a gente.

O interessado pela consulta com o curandeiro não parava de falar comigo. Queria endereço e telefone, sem dar a mínima bola pra o seu constituinte.
Feitas as apresentações, o Magistrado perguntou se havia acordo. O Derli respondeu que, nos termos da petição (12 mil) era impossível, pois não procedia. O Derli foi interrompido pelo Doutor adversário: “Doutor, nos faça alguma proposta que quem sabe a gente se acerta”, enquanto eu mostrava minha mão pra ele, ali, sem tremer.

O Derli propôs então 300,00 (só pra não perder a corrida até o local), o que surpreendentemente foi aceito pelo adversário. O valor causou espanto no reclamante, que questionou seu constituinte.

Se acalmou... E após ir à sala ao lado, teve que ser convencido de que, o que estava pedindo não era verdade, era apenas uma montagem jurídica, e que se eles insistissem naqueles números e não conseguissem provar, a coisa ia se complicar pro lado deles.
Voltando à mesa com o valor aceito, o Derli deu a cartada final: “300 em três de 100, pra não apertar meu cliente, sendo a 1ª à vista e as outras em 30 e 60 dias”, o que foi acordado e homologado.

Saí para ir embora e o rapaz lá atrás me chamando e perguntando o telefone ou o endereço do Seu Heitor. Respondi que ia deixar com o Derli, que saindo do prédio não conseguia parar de rir, incrédulo com o desfecho da audiência. O “A. E.” passou quase um mês pressionando o Derli pelo endereço, que dizia que tinha que “esperar pelo Loko”, já que eu teria de ir pra Rosário quitar as parcelas.

Fui avisado pelo Derli da pressão que ele tava levando, e pra minha sorte, dias antes do prazo pra pagar a parcela, abro a Zero Hora e encontro um convite pra enterro de um tal de Heitor, 82 anos, que havia falecido em Porto Alegre. Peguei aquela página e guardei.

Me apresentei no escritório pra pagar a 2ª parcela. Fui muito bem recebido, mas consternado, mostrei com provas que seu Heitor havia falecido, encerrando aí a promessa de cura.

O Seu Heitor realmente existia, mas não tinha essa bola toda. A Alda Pasquetti, dita mulher do Vice, não passava de uma cafetina do centro de Porto Alegre, que trabalha ainda hoje com Prostituição Executiva (funciona das 13h até 19h, onde homens marcam programas durante o expediente de trabalho e muitas mulheres,geralmente lindas, casadas, fazem programas, dizendo em casa que estão trabalhando. Algumas são bem casadas e vão em busca de prazer, com homens escolhidos pela cafetina. Com sigilo. Sem dança e sem escândalo. Tudo discreto).
Conheço bem o local, pois moramos lá, eu, o Botinha e o Lacerda, no 7º andar, no edifício Palácio Itália. Bem no centro. Era quase uma clínica das gurias, o Lacerda e o Botinha até num aborto ajudaram.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O CRUCIFICADO

Estávamos num final de domingo, 21h, eu, César, Diler, Gordo Armando, Flávio, Ney, Edinho, Cabana, Robson, Chibo, Melado, Demitri, Cabeludo... Todos num bar da João Brasil, mais precisamente em frente ao Senhor dirceu franco, prédio do turco Jorge. Todos de bico seco, até que o Edinho decidiu: “Vou tomar uma canha com coca e limão... (samba)”. E seguiu bebendo...



Alguns dos outros já começaram a provar, e terminou que todos seguiram o mesmo ritual. Provando, provando... E a coisa se alongou. Lá pela meia noite, apareceu, não sei de onde, um cristão mais borracho que nós. E começou a encher o saco, se meter nos assuntos, cuspir no chão e na gente, até que encheu de vez.

O Armando então deu a idéia: “Pra gente se livrar desse borracho, só atando... Vamos atar ele na árvore da frente que daí ele pára!” (A av. João Brasil em Rosário é bem arborizada...).

Dito e feito. Como estávamos sem a corda, os guris resolveram usar o varal da mulher do turco. Pularam o muro e pegaram a corda para efetivar o processo. Agarramos ele à unha e o atamos, colocando no tronco principal da árvore... Se lamuriava, pedia pra ser solto, e lá pela 1h30 da madruga, mediante acordo (a nosso favor), resolvemos soltá-lo.

Seguiu incomodando. Neste meio tempo, Seu Ney, pai do “nosso Ney”, chegou de Camionete Brasília que tinha um bagageiro em cima (vaca). Ele morava mais ou menos em diagonal ao bar do Turco (cunhado dele), gerente das Casas Escostégui, que tinha moradia anexa na mesma firma.

Continuou a noite, todos já bebiam quando surgiu a idéia: “Vamos crucificar esse borracho em cima da camionete do Seu Ney que daí ele vai ficar bem à vontade...”

Agarramos ele novamente, atravessamos a esquina, abrimos bem os braços e as pernas do corpo e o atamos. Bem atado... E em cima da “vaca”.

O Edinho e alguns se retiraram após o ato. Nós, ainda não contentes, tocamos a campainha da casa para chamar a atenção, fugimos pra nos esconder e assistir o desenrolar dos fatos.

O Seu Ney abriu a persiana e viu aquela cena. Se encagaçou todo. Mostrava o bico do revólver pro crucificado, dizendo: “Sai daí ou eu atiro! Vou chamar a Polícia”. E chamou.

Veio a F75 da Brigada, camionete velha, pra atender a ocorrência. Nós tínhamos nos escondido dentro de um graneleiro, desses de transporte de cereais, na Bento Martins, em frente a casa do turco Jorge.

A Polícia chegou, desatou o cristão, que não conseguiu se explicar muito, e ficaram fazendo a ocorrência. O Seu Ney fumava, nervoso que nem um condenado.

Nós, ainda não contentes, descemos e demos uma corrida por umas 8 quadras para chegarmos pelo outro lado, como quem não sabe de nada, pra ver o que estava acontecendo.

Voltamos pelo lado do Marçal (Colégio Marçal Pacheco) e fomos nos aproximando discretamente. O Seu Ney viu o filho e foi logo dizendo: “Filho, o que fizeram...”, foi contando o ocorrido e relatando que ele quase tinha atirado no bêbado. A mãe estava em choque, apavorada. Até que o borracho dá uma olhada em volta e diz: “Sargento, foram esses os marginal que me ataram”.

O Seu Ney saltou: “Mas o que que tu tá dizendo?? Esse aí do meio é meu filho e os outros são amigos dele. O que que tu tá pensando???”

O borracho dizia: “Foi eles, foi eles, foi eles. E já nem tou tão bêbado assim...”

Foi, não foi... Começou o rebuliço. O Sargento então tomou uma decisão: “Todos pra delegacia”. Fomos entrando na camionete felizes, quando o Flávio empacou. Chamou o Sargento e falou: “Por favor, Sargento, o senhor sabe, nós fizemos cagada, mas não somos marginais, não nos envolvemos com drogas e o senhor conhece o meu pai! Eu sou estudante de Engenharia e queria lhe fazer um pedido.” O Sargento, consternado e meio constrangido (o João Mayer era dentista da família dele), disse: “Tudo bem, meu filho, faz o pedido...”.

“Sabe”, disse o Flávio, “eu queria ir na camioneta nova (a BM tinha recebido uma veraneio 0km), algemado e com o Pedro Valles para tirar uma foto”.

O Sargento se indignou. Deu um ponta-pé na bunda do Flávio que colou ele na frente da carroceria da camioneta velha, o que motivou os outros a entrarem nela bem ligeiro. “Todos pra delegacia”.

Lá havia 2 celas (boi preto), de dimensão de 1,5 x 2, programado pra duas pessoas. Naquela noite tinha uma gurizada medonha, e nós já tínhamos nos entreverado com eles, os Montezanos(4), o Furacão, Honorino... Só anjinhos. Terminamos ocupando uma das celas com eles. O Seu Mário Cuiudo, autoridade local, totalmente analfabeto, responsável pela delegacia, começou a colocar em seus lugares os desafetos. Uns ditos numa cela, e sobramos eu e o Diler, que ele resolveu colocar numa que já tinha 6 colegas. Não deu outra! Nós estavamos bêbados mesmo! Cumprimentamos os colegas, nos ajeitamos e fomos deitando no chão, tendo os demais que passar a noite na ponta dos pés pra não perturbar (as necessidades eram feitas ali mesmo no chão).

Passada a noite, acordadmos la pelas 7 horas da manhã, loucos de sede, começamos a gritar: “Traz água, M.Cuiudo, traz água, véio maleva”. Acontece que o M. Cuiudo, famoso em Rosário, era mau. Judiava dos detentos, batia, se provalecia, o que já dava um pavor nos colegas de infortúnio. Era mau, mas respeitava as caras (nunca bateu em nenhum de nós, só ficava nas ameaças). Por exemplo, meu pai era 1º Sargento do Exército, irreverente, não levava desaforo pra casa. E milico tinha força. E os guris, todos filhos de pessoas com influência na sociedade, ou com formação acadêmica na classe média. Não demorou muito ele nos trouxe uma chaleira com água pra tomarmos no bico, o que causou espanto nos colegas. Geralmente, nos soltavam 9h, que era a troca do plantão. Naquela 2ª feira, por acaso, Seu Neri Xavier, pai do Armando, que havia sido cedido pela Prefeitura, onde trabalhava, para adiantar na delegacia os serviços técnico-burocráticos que estavam truncados, estava lá; para assumir as funções, de trajo riscado, chegou pelas 7h30, e o M. pediu que aguardasse o delegado Wilianson que iria recebê-lo e apresentar as dependências do estabelecimento, mas já adiantou, pra ser atencioso: “O que tem de vagabundo aí, lota o presídio”.

8h30 chega o Wilianson. Abraços, recepção, equipamentos, salas, locais de trabalho. Foram lhe apresentando o pátio, e depois o pior: o boi preto. Chegando na 1ª cela, eis que vê o Seu Néri. Como o Armando era o maior de todos e tinha asma, ficou junto da porta e foi o primeiro a ser visto. O Seu Neri ,perdeu a linha, mas se recompôs perguntando: “Que tá fazendo aí, meu filho?”

“Pois é pai, como eu sabia que tu ia assumir hoje, resolvi te fazer uma surpresa e te recepcionar, pra tu te sentir mais a vontade”.

Foi um constrangimento geral. O delegado Wilianson chamando o Seu Neri na parte da frente da delegacia, enquanto o inspetor Barreto dava ordens: “Solta todos pelos fundos...”. “E os Montezano?”, perguntou o inspetor Moreira, “solta tudo, solta tudo pelos fundos. Depois a gente recolhe estes vagabundos”.

Nós saímos tranqüilos, mas nossos colegas alçaram vôo em segundos, beneficiados pela inesperada anistia! Não durou um ano e eles acabaram morrendo, nenhum por causas naturais. Mas, foram legais na repartição do hotel comigo e o Diler.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

ORGANIZAÇÃO DO CEMITÉRIO


Nas noites de meio de semana, em uma cidade como Rosário do Sul, nossa terra, não se tem muito que fazer. Mas sempre se pode procurar algo util. Quando não tínhamos pra onde ir, íamos matar o tempo no cemitério, dar uma palavreada com uns conhecidos que já tinham ido, se atualizar sobre as noticias de lá e coisa e tal.

Eu tinha uma camionete, Rural, chamada Rubirosa(bem acomodados cabiam 18 pessoas) que nos servia de transporte para as realizações. Sempre sem gasolina... O que nos obrigava a passar boa parte do tempo útil procurando doações para abastecimento. A Rubirosa, além de não ter gasolina, também não tinha banco atrás, aliás, também não tinha tanque, apenas um galão de 5 litros, atado nos pés do carona.

Na SAFURFE, drogas ilícitas, nem pensar, e aqueles que queriam oferecer ou coisas do tipo, já nem chegavam perto que sabiam que ali não era o lugar. Os usuários se excluíam ao natural, e conforme, nos dava “pau” neles. Era a grande diferença da maioria das turmas do centro da cidade, e até hoje, continuamos mão-de-ferro contra drogas.

Em compensação, as lícitas, canha, vinho, rum, cerveja, conhaque... Eram idolatradas! Muitos experimentavam as ilícitas, alguns até gostavam, mas com a pressão interna, se afastavam dos toxicos. e permaneciam na SAFURFE, já que nós garantíamos, o retorno pra casa. Sempre protegemos uns aos outros.

Também nunca usamos armas. Confiávamos apenas na nutrição. Todos eram atletas, bem nutridos. Após praticarmos esportes o dia todo, ainda sobrava energia pra gastarmos durante a noite. Na verdade não precisávamos nem das lícitas pra dar risada.

Numa dessas noites, já passando pra o outro dia, resolvemos, já que não tínhamos nada pra fazer, irmos pro cemitério. Combinamos tomar umas canhas, já que lá ninguém iria encher o saco e nem nos prender.

Dito e feito. Levamos a canha e a Coca-Cola (a Pepsi era muito doce, eo flavio gostava , assim, mais picantezinha). Fomos na Rubirosa, a gasolina pouca, mas conseguimos chegar ao destino, o que era bom, já que não tínhamos muita opção de abastecimento naquele momento.

Entramos, ficamos lá no meio conversando e rindo. Os guris eram Cabana, Vico, Chibo,eu José, Ney, Flávio,cezar, Cosme, Dilermando, Robson, e não me lembro quem comentou: “A coisa é desleal. Olha só, esses ricos levam vantagem! Tapados de coroas e das velas grossas..... E olha bem os mais pobres, sem nada... Como é que vão ser vistos por Deus?”

Aquele comentário, que não tinha maiores pretensões, gerou um ar de indignação cadavérica.

“Vamos arrumar o cemitério”.

E começamos. Juntamos todas as coroas bonitas, flores, arranjos, e fomos colocando naqueles túmulos mais humildes. Os copos de leite murchos, as rosas e margaridas, que repousavam em latas de legumes, foram pra os túmulos dos mais privilegiados, os providos de sorte em vida.

Lá pelas 4h da madrugada, com tudo pronto, sobraram umas 6 coroas de bom porte. Estávamos já sem criatividade, e sem canha, onde elas poderiam ser usadas. Resolvemos ir embora, colocamos aquelas 6 coroas no Rubirosa e largamos. Na esquina da 7 de Setembro com a Canabarro, a gasolina acabou de vez. Colocamos as coroas no pescoço, afinal, se deixássemos na camionete, iamos deixar rabo. Todos ébrios, cantando e fazendo festa, mas lembrando de buscar a Rubirosa no outro dia, que, imobilizada não iria a lugar nenhum.

Dobramos a Riachuelo à esquerda, arrancamos uma placa que estava caindo perto da esquina. No meio da quadra ficava a casa da g. P., onde colocamos a placa no jardim por dentro do portão. Penduramos junto 2 coroas maravilhosas. Demos uma pedrada na porta e corremos sem esperar o resultado.

Seguimos, João Brasil, Bento Martins... Na esquina, o Ney já ficou em casa. Em direção á minha residência, a parceira já estava desfalcada e cada vez se dissipando mais. Já depois da casa do Ney, estávamos apenas eu, Flávio, Cabana e Chibo (Caio Villanova).

Na metade da quadra, morava a Dona Salustia, que tinha perdido o marido e tinha um medo mortal de morrer. Deu o brilho nas mentes: “Vamos colocar uma coroa pra Dona Salustia”. Antes da porta tinha um alpendre... Penduramos 3 coroas, para que pudesse ser vista ao abrir da persiana. Não contentes, arrumamos um papel pardo onde escrevemos um bilhete bem visível. Dizia: “SALUSTIA, EM BREVE VENHO TE BUSCAR. ASSINADO: ALBERTO”.

Batemos bem forte na porta até confirmar que havíamos acordado os moradores, corremos até a esquina pra vermos o resultado.

Foi dramático. E veio até ambulância. Chamaram o Ari, filho adotivo, baita borracho, pai dos menine., para fazer o acompanhamento.

Não tínhamos mais nada para realizar, e resolvemos ir embora. Eu e o Flávio pra um lado, o Chibo e o Cabana pela outra rua, encarregados de se livrar da coroa que tinha sobrado.

7h e pouco, eu dormindo que nem um anjo... A Ida acostumada a levantar cedo, enquanto o Alver tomava mate, ia varrer a frente da casa. Meu quarto era na sala da frente, num móvel que se abria, e a cama ficava fechada durante o dia, era uma estante.

Me acordei com aquela louvação: “Ai, meu Deus... É despacho! É coisa de caboclo, encomenda... Chama o Padre Antônio pra benzer e passar água benta na casa toda”.

O Chibo e o Cabana, antes de ir embora, resolveram passar na minha casa e me contemplar com a dádiva que havia sobrado, deixando a última coroa atada na fechadura da porta. Ouvi o Alver dizendo: “Mas te acalma, mulher! Isso não é coisa de religião, vamos ver o que é isto...”. E ela se escabelando!

Levantei e logo entendi o que tinha se passado. Fui até a porta, desatei o presente e levei até o pátio, guardando no galpão, pra depois ver o que fazer. A Ida, em descontrole, dizia: “Não toca, meu filho, que vai te secar as mãos. Espera o padre...”.

O Alver logo viu que tinha truta no anzol. Sentou e tomou mais uns mate. A Ida de escapulário, rezava o terço. O ambiente tava cavernoso. Me levantei perto do meio dia, a coroa no galpão. Deus é grande, foi a minha sorte. Vejo subindo pela Bento Martins, vindo da Vila Progresso, uma carroça, trazendo um caixão ocupado,cortejo de uma gente bem humilde, pra um enterro no cemitério municipal. Ao passar na frente, sem ninguém de casa ver, aproveitei e doei a coroa para o falecido, em nome do Sargento Alver, o que os deixou muito agradecido.

A Ida não entendeu onde foi parar a coroa. O Padre foi de tarde dar as bênçãos, mas não achou nada. Segundo eles, foi Deus... O Alver não engoliu.!

A MORTE DO POPOIO


O Popoio, Cândido Levi (pai do Luiz Cândido), com larga vivência, cozinheiro de mão cheia, já tinha feito de tudo que é bom. Viajava pelo mundo em navios como cozinheiro, para contrabandear perfumes e whisky, difíceis de conseguir na época, o que rendia excelentes lucros.

Não contente com as viagens, mas já com a clientela pronta, fez um intercambio tecnico com um primo e aprendeu, lá no Urugua,a falsificar wiski, primo este muy ligeiro, o Dino , que logo foi superado, com louvores pelo aluno.(em perídos difíceis eu ajudava na distribuição dos importados). A atividade ia bem. Durou alguns anos, mas ele terminou descoberto e perseguido pela lei algumas vezes, teve que suspender o negócio por causa do excesso de “mordidas” dos home.

Acabou como banqueiro do jogo do bicho, acreditando nos lucros, o que no fim terminou com sua saúde (eterno boêmio, era o único bicheiro que falia a cada apuração!). Antes de cada sorteio da Loteria, já tinha tomado um litro de café e fumado dois maços de cigarro. Durante a divulgação dos resultados, a aspirina funcionava. Cada vez que sorteavam uma centena que ele não queria, era um “xilique”, que durava até a proxima apuração.

O Popoio tinha sido internado no Hospital da Vila Nova (Porto Alegre, onde morávamos) com deficiencias respiratórias e cardiacas. No domingo, uma semana após a internação,domingo a tarde, ligaram do hospital pra casa dele, onde eu me encontrava, e nos informaram de sua morte.

Eu, com pouca experiência com morto, chamei o compadre Ike, que estava de plantão no Hospital Conceição. Ele conseguiu se liberar e se apresentou com aquele ar de gerente de enterro, encaminhando tudo. Ar este que eu só tinha visto no Tio Nico.

Levaram o corpo para o São Miguel e Almas. Isto já era noite... O quórum era pequeno e com tendencia a diminuir, e acabamos ficando apenas eu, o Ike e o Luiz Cândido.

Passou a meia noite, esfriou,e nós com fome e frio, resolvemos procurar um lugar pra comermos alguma coisa. Fechamos a porta da capela velatória e saímos. O Ike, médico entendido, já disse: “Nem esquentem que ele não vai fugir daí...”

Encontramos uma lanchonete na parte externa do cemitério que ficava aberta 24h para essas ocasiões. Ninguém tinha intenção de beber, pois estávamos realmente chateados. Todo domingo tinha churrasco na casa dele, e os de Rosário que conviviam conosco, fosse uma vez ou outra, iam junto (Ney, Flávio,eunice, Dinho, Baixinho, José, Cabeludo, etc.).

Mas como o frio era grande, resolvemos, antes de comer, tomar uma vodka com limão pra esquentar. Aquela primeira puxou outra... E mais outra... Terminando um litro. Acabamos não comendo nada e levamos mais de meio litro do liquido, pra caso esfriasse mais. Afinal, a madrugada era longa.

Voltamos pra capela, e ficamos lá elogiando os feitos do Popoio... E já imaginando a falta que iria fazer, principalmente nos domingos... Seguiu a madrugada, quando o Luiz Cândido fez o seguinte comentário: “Bem que o papai poderia ter deixado um ‘número’ pra nós, né Ike, já que ele era do ramo...talvez tenha alguma influencia...”.

Os dois eram fanáticos pelo jogo do bicho. Sem muito alarde, começaram a dar uma olhada, pela tampa e laterais do caixão... Eu já fui entrando embaixo também, procurando a sorte, mas por ali não havia número nenhum.

Sem desanimar, concordamos que ele poderia vir a estar deitado em cima do número da sorte, e resolvemos examinar. Levantamos o tronco dele, eu e o Luiz Cândido, e o Ike examinou tudo, até embaixo do forro. Até o Ike recolocar as tachinhas da forração, ficamos uns 20 minutos agarrados no Popoio com o tronco dobrado.

Deitamos o tronco e levantamos as pernas. Mesmo procedimento e nada. Resolvemos então desistir. Colocamos o Popoio na posição inicial, mas ele não voltou pra seu estado original. Com aquela flexão, os pés ficaram mais altos do que o caixão. Mas como estávamos na presença de um Dotô, especialista em rigidez cadavérica, resolvemos seguir os seus conselhos: “Aperta os pés e segura um tempo, que em seguida ele volta ao normal”.

Não voltou. Era só largar e os pés subiam...até melhorou um pouco, entrou pra dentro do caixão ,as pontinhas do salto dos sapatos, e o nosso tempo ja estava se esgotando.

Sempre orientados pelo Dotô, tomamos uma decisão. Tiramos o Popoio da urna e o colocamos de bruços em duas cadeiras, sendo uma no peito e a outra próxima aos joelhos.

Em princípio, pressionamos com cuidado, mas depois tivemos que colocar o Luiz Cândido, que era o parente mais próximo, debruçado em cima dele até restabelecermos a posição que queríamos, já que com sutileza, não estava funcionando (a roupa que a funerária vestiu o Popoio era aberta na parte de trás, e durante a aprumação, os gomos ficaram expostos...).

Colocamos ele de volta no lugar e organizamos tudo como antes, mas ele ficou um pouco empenado, passado do ponto, o que chamou a atenção da Tia Íria, a viúva, irmã da Ida, que chegando no local pelas 6h da manhã, logo perguntou: “Meu filho, teu pai ta inchando? Parece mais barrigudo...”.

Quem olhava pra cara do Popoio, tinha certeza que ele tava rindo, só não sabia o porquê...

A Vera chegou, se interou dos acontecimentos da noite e deu um ataque de riso. Não conseguia olhar pro defunto, o que gerou um comentário da viúva: “A pobrezinha ta nervosa... É normal...era como uma filha pra ele”

Seguiu o velório. Encomendamos uma coroa em súcia, eu e o Ike. Já o Luiz Cândido quis uma só dele. A nossa chegou primeiro, bonita e vistosa. Dali a pouco chegou a do Luiz Cândido, com umas flores já pendendo pra desidratação. Não deu outra! Começamos a gozar que a coroa dele, apesar de mais cara, era de segunda ou talvez terceira mão. Até que não aguentando a pressão, chamou o fornecedor, dizendo que a nossa era mais viva, e ele não iria pagar por aquela usada.

Discutiram, o cara saiu e não falamos mais no assunto, mas continuamos a fazer “senhas” pra ele, mostrando a coroa. 11h e já se aproximava o sepultamento, o Padre “encomendando” o corpo (o que não ia influenciar muito). A capela bem concorrida, quando entrou uma baita coroa e substituiu a outra. O Luiz Cândido, na cabeceira do caixão, cheio das lágrimas, procurou eu o Ike com o olhar, não agüentou e perguntou: Qual a coroa mais bonita agora? olhem bem!! Ganhei da de vocês!!!”seus palhaços.

Ficamos quietos. Seguimos o cortejo até onde seria o sepultamento. Quando estávamos colocando a urna no “apartamento”, 2º andar, o Luiz Cândido se virou o Ike atras dele,dizia: “Ike, olha o número!! Ta aí!! Olha o número”. Cada “apartamento” tinha quatro unidades... Ninguém entendia nada, só eu, o Ike e a Vera.

Terminou o féretro e fomos pra casa. Os dois jogaram no bicho o número da tumba por 3 dias seguidos, e nada.

No sabado, 6 dias após, deu o número do ap. do popoio inteiro invertido no 1º prêmio da Loteria Federal. Mas eles já tinham parado de apostar no finado.

CASOS DA SAFURFE - O CAIXÃO


Estávamos em pleno carnaval. Era terceira noite, a SAFURFE (Sociedade Amigos Furões de Festa) desfilando pela João Brasil com trator, 2 reboques, chopp à vontade (como sempre), umas 40 pessoas participando. Íamos até o Ervilhão e voltávamos pela Canabarro.

A beberança começava às 4 horas para os que tinham ido dormir, os demais continuavam por cima dos reboques sem pregar o olho, era o Cabeludo, Flávio, Chibo, Robson, Demitre, Diler, Armando,gaspar bertoldo... E isso ia até a quarta feira de cinzas samba em alta, baita folia.

Só que só passear era pouco pra SAFURFE. Quando voltávamos pela Canabarro, passamos pela Riachuelo (era mais ou menos 6 da tarde) de fronte a funerária Indart, que estava aberta e com seus produtos na vitrine.

Fui iluminado por uma idéia brilhante! Acompanhado pelas mentes privilegiadas que sempre se uniam à minha, decidimos: íamos pedir um caixão emprestado para o Flávio Indart e fazer um velório durante o baile. Todos de acordo.

O trator seguiu seu trajeto. Eu e o Robson Prates fomos à funerária pedir o objeto emprestado, poderia ser até com um pouco de uso.

Chegamos ao local, batemos palmas, chamamos pelo nome, assoviamos, e não apareceu ninguém. Decidimos então que levaríamos um de qualquer forma. Escolhemos o que parecia o mais inferior, e no outro dia devolveríamos.

Pegamos a peça completa: tampa, visor e Cristo na tampa. Saímos para o lado da João Brasil e entramos à direita em direção ao Comercial com aquele caixão na cabeça, entre meio troteando. Durante nossa passagem acontecia a maior reboldosa... Se benziam, rezavam... Os mais emotivos queriam saber quem era, o que não respondíamos mais pela pressa de esconder o objeto do que inventar algum finado.

Alcançamos o trator e colocamos o caixão no centro do reboque para não chamar a atenção. Seguimos fazendo a festa e planejando o velório.

Preparamos tudo. O morto seria o Cabeludo (estilizado, claro, e porque dormia quase todo o carnaval de bêbado), o Padre seria o Chibo, a viúva a Neusa Righi, seguidas de uma meia dúzia de carpideiras, Sheila, Mauren, Viviane, Nadia, Dagmar, Vera, Nanica, Denise, etc... Os demais portariam velas e encenariam os momentos tristes.

O baile já tinha começado quando, apesar da tristeza e do ressentimento, entramos no Clube subindo para o salão. O caixão na frente carregado acima dos ombros pelo César, Cosme, Edinho, Robô, Armando e Robson. Deram algumas voltas no salão, horrorizando alguns foliões, causando certos desconfortos e embaraços, mas que foram imediatamente superados pelo álcool. Nos dirigimos para o nosso canto no meio de todo aquele sentimento...

Colocamos o caixão, já devidamente ocupado, em cima de duas mesas, seguindo o funeral... Regados à vodka, cerveja e whisky, a festa seguiu. O cabeludo assumiu seu papel com maestria, não parando de beber nunca, embora deitado (o que gerou um ainda porre maior que o que estávamos acostumados a ver).

Baile terminando, resolvemos levar o caixão para o pavimento inferior do Clube, e o colocamos atrás de um balcão, para devolvê-lo na próxima tarde. O Cabeludo, consciente de seu papel de morto, teve que descer a escada ajudado, devido ao porre federal. Se escorou no balcão, viu seu leito e resolveu dar mais uma sesteada para se recuperar, e ninguém viu ele lá.

Terminou o baile, todos se retiraram, o clube foi fechado e ele ficou dormindo. Lá pelas 10 horas da manhã, as moças que faziam a limpeza chegaram, fecharam a porta da frente e começaram seu serviço. De tarde tinha baile infantil, então começaram o trabalho pelo andar superior.

Estavam todas no salão quando ouviram alguns ruídos no andar de baixo. Como estavam todas lá em cima, foram espiar com cautela a origem do barulho. Assistiram a seguinte cena: o cabeludo maaaaal, se levantou do caixão, foi no banheiro, mijô, voltou e se deitou novamente no caixão.

Bateu o pavor! Saíram pra rua, abandonando o serviço, e nenhuma se animava a chegar perto. Rezavam bastante, pois segundo elas o morto tava vivo!

Ligaram pro Presidente do Clube, que não atendeu. Então chamaram o ecônomo, que era o João Alberto Nascimento (tio do Baixinho da copa!).

Ele olhou a situação e se dirigiu até elas: “Párem de frescura! Esse aí é o Cabeludo, mas deixem este borracho quieto, que ninguém agüenta este enjoado acordado...”

Lá pelas três da tarde levamos o cabeludo para tomar banho. O corpo fedia... Guardamos o caixão numa sala no pátio do Clube, e terminamos esquecendo de devolver, mas também não houve solicitação de reintegração de posse.

Ficou por lá uns dois anos e terminou sumindo, ninguém mais viu. Só o cabeludo ainda deve ter saudades.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O EXORCISTA

Nós fomos ao lançamento do filme “O exorcista” em Santa Maria, eu, Lacerda e Japonês (Cléber). O filme, pra época, realmente impressionava. Saímos do cinema agitados, eu e o Lacerda, o Japonês em estágio latente de impressionismo e lividez. O medo tomou conta do “home”.

Já na descida da Av. Rio Branco pra casa, ele se colocou no nosso meio, foi quando pudemos "tirar a febre” do Japa. Eu e o Lacerda nos entendíamos por música, e ao atravessarmos a Silva Jardim, na esquina do Hotel Glória, o Lacerda só me olhou e demos um pulo, correndo até o cordão da calçada. Não deu outra! O Japa ficou estaqueado,foi dobrando as pernas gemendo...: “Aaai...”, sem sair do mesmo lugar.

Seguiu o resto do trajeto num pavor que chegava a dar pena. Chegamos em casa, fomos pra o nosso quarto (eu e o Lacerda dividíamos o quarto), comentamos do filme com o João, o Botinha e o Bafo, e o Japonês já colocou uma cadeira na nossa cabeceira, entre os dois, pra acompanhar os relatos.

Já era uma hora da madruga, o Japa, que dividia o quarto com o Bafo (Tio Mille), não queria ir deitar no lugar dele. Ninguém o convenceu a sair, ele ficou lá sentado e com a luz acesa até o outro dia na hora do cursinho.

Aquela lenga-lenga já durava 4 dias. O Japa sentado toda noite com medo, dormindo nas aulas... Mais parecia um zumbi. Chamamos ele, comandados pelo Tio Mille (ao qual o respeito era grande) e o convencemos a voltar pro seu quarto, explicando que era tudo coisa de filme, arranjos, montagens, etc.

O resultado não foi muito bom. Mas ele chegou a dar uma dormida no catre dele (catre mesmo, ele comprou uma cama e no 2º dia deu uma luta entre todos, eu, João, Ney, Bafo, Lacerda, Botinha, e que casualmente acabou em cima da cama nova, que não agüentou... Muito fraca, segundo o Botinha). Já estava se animando, estudando até tarde, mas ,mais desconfiado do que égua torta ( cega de um olho).

Resolvemos então testar se o Japa já tinha assimilado o lance. Nosso apê era um antigo hotel, por isso tinha porta pra todos os lados, frente e com ligação pra entre os quartos, mais as janelas com venezianas. A divisão era a seguinte: eram 4 quartos, no da frente o João e o Ney, que ás vezes davam uma viajada, colocavam umas luzes coloridas, desmanchavam as camas e etc. No 2º, o Bafo e o Japa. No 3º o Botinha,e o Estevam da Tudinha Amaral (que dava um pau nele!) e no último, eu e o Lacerda, próximos do banheiro e da cozinha, separados por um corredor. Do lado de trás, as janelas e o acesso ao terraço.
Compramos um rolo de linha de nylon bem fininha e, como à tarde, o Japa ia estudar com o colegas e ficava até perto de 22h por lá, nós preparamos o local com calma. Atamos aquela linha em um vaso com canetas que ficava sobre a mesa de estudos com outras coisas, e também no pelego do chão, travesseiros, uma cadeira, um livro e alguns objetos. Colocamos os fios bem disfarçados, acompanhando os rodapés, e esperamos.

O Japa chegou. Educado com sempre, cumprimentou a todos que estavam na cozinha conversando bobagem. O Bafo perguntou: “E aí, sobrinho?! Tá aprendendo ou ta só sujando roupa em Santa Maria?”

“Tou indo!”, disse ele, “vou dar uma estudada numas coisas que não peguei bem antes de dormir”. Depois disso, ele se acomodou no seu quarto. Foi o que pedimos a Deus. Ficamos a postos, cada um numa abertura espiando.

Silêncio total. Eu tinha ficado com o pelego e o vaso. O Bafo com a cadeira. O João e o Lacerda com os demais utensílios. O Japa, cabeça baixa,bem concentrado... Foi quando dei uma pequena mexida no vaso... Ele parou e ficou sem fazer um único movimento, mas com os olhos grudados no vaso. Dei uma movimentada no pelego, ele correu só os olhos... Torceu tanto que quase tocou com eles na orelha, e dizia: “Ai, meu Deus... Ai, meu Deus...”.

Os demais também moveram discretamente os outros objetos. O Japa deu um suspiro fundo, repetindo: “Ai, meu Deus... Ai, meu Deus..o que esta acontecendo.”, fazendo menção de levantar.

Sem termos combinado nada, o restante soou com uma orquestra! Com o movimento do Japa, todos puxaram os objetos ao mesmo tempo. Bah... Ele deu um pulo, berrando! Passou por dentro da porta fechada, desceu as escadas e só foi parar no centro da avenida, debaixo de uma luz!

Levamos algum tempo pra nos recuperarmos! Fomos falar com ele pra saber por que ele havia sido intempestivamente de dentro do apartamento!

Como ele não sabia o que tinha acontecido, a coisa ficou sem nexo! Falava em diabo, exorcista, padre... E algo do tipo: “Eu nunca mais vou lá... Isso tá tudo possuído!”.

Foi difícil. E ele não voltou mesmo. Foi posar com uns colegas, e no outro dia, sem subir, pediu pra o Tio Mille levar até ele os livros do cursinho.

Não conseguimos o convencer, e ele acabou se mudando.

O diabo não passava do cagaço, de sua imaginação fértil, além de uma linha de pescar...!

domingo, 20 de setembro de 2009

O PISTOLETE


O Bafo (Almir), tinha retornado da Amazônia, onde participou do projeto Rondon, um intercâmbio entre universidades federais. Continuávamos morando no Brillmann, nesta época, além deste gringo desajeitado, o João Power, Ney, Botinha, Lacerda, Estevão, eu e o Japonês (Cléber Adir Menine).

A primeira aquisição do Bafo, logo após se reintegrar a comunidade, foi a de um pistolete (arma de pequeno porte, para ser transportada dentro do carro, para quando no campo ou estradas de chão caçar perdiz no pio) calibre 36, com cartuchos recarregáveis.

Mas ao invés de deixar, na casa dele, na campanha, ele levava e trazia todos os fins de semana aquele artefato, o que, para nós, colegas de república, se tornou um inferno. Ele carregava os cartuchos só com pólvora, espoleta e bastante papel, se divertindo em nos dar um “tiro” de surpresa, quando menos esperávamos. Aquele troço virou até despertador, ninguém mais se atrasava senão o pistolete pegava, chegou ao ponto de andarmos nos escondendo e nos cuidando, com medo das ações insanas do gringo.

O gringo era mau, não poupava nem os parente. Numa feita, o Japonês (Cléber), com medo do pistolete, se escondeu no quarto para não entrar em atrito com o tio “Mille” (Tio Mille, Bafo, Gringo... É tudo a mesma pessoa!), que sabendo que tudo era questão de tempo, o Japa teria que espiar pelo buraco do trinck, pois só havia a chave da porta.

Sabendo que o pistolete poderia machucar o sobrinho, foi cuidadoso utilizando algo mais simples, ficou de tocaia do lado de fora do quarto, com um isqueiro numa mão e uma lata de aerosol na outra. A espera já durava quase 1 horas (nós também quietos esperando o resultado), o Japa não ouvindo nenhum ruído foi dar uma espiada no buraco, quando botou o olho, o de prontidão tacou fogo, acionando o aerosol.

O Japa não ficou cego pois, por instinto, baixou a cabeça, mas não livrou a sobrancelha, e a testa,que ficou com um redondo queimado por aquele lança chamas, repartindo a sombrancelha em dois pedaços distintos, deve ter ficado alguma marca até hoje.

O consumo de pasta de dente se multiplicou, de tanto o Japa passar na cara para parar a ardência. Perdeu uns cinco dias de cursinho, e o bafo flutuava entre realizado e preocupado com o resultado. Seguindo a trajetória, deu pra ver que o elemento não era mole.

Uma tarde o João chegou cedo da universidade, me chamou na cozinha e foi logo dizendo: “Tchê Loko, não ta dando mais para agüentar o Bafo, terminou a paz, ninguém consegue estudar durante a semana, já falei com ele, mas parece que piorou, todos tão se queixando. O Lacerda já fala em se mudar, temos que tomar uma atitude! Vamos botar esta merda fora e dizer que roubaram.”

Não dava, ia dar crepe, resolvemos então dar um cagaço no bafo.
Compramos um vidro de 200 ml de mercúrio cromo, conseguimos um saco plástico, estreito ,comprido e forte. Colocamos o mercúrio dentro, e com um elástico tirado de um calção, prendemos no meu peito, coloquei uma camiseta clara, o João preparou o pistolete (bem carregado) e ficamos esperando o bafo.

Neste meio tempo, chegou o Japa, se interou do assunto, gostou, e já foi nomeado vigia para avisar quando chegasse o Bafo. Quase 6 horas, sobe o Japa excitado: “Tá chegando, tá chegando.”

Eu no canto do corredor esperando. Quando ele chega, o João sai do quarto: “Bah, tu chegou bem na hora! O Loko tá impossível, já ia dar um para ti quieto nele, o pistolete tá pronto.”

O bafo só disse: “Deixa comigo, me dá aqui! Pega os meus livros”, estendendo-os para o João.

Neste momento entrei no corredor, a uns três metros dele, que me vendo queimou cartucho, exclamando: “Deu pra ti.”

Foi uma fumaceira e uma papelama que embaçou o corredor. Iimediatamente apertei a parte de baixo do plástico com tanta força que saltou mercúrio até no rosto, e a camisa ficando empapada de “sangue”.

O Bafo, vendo a cena, se estacou. Olhou para o pistolete, atirou ele longe, olhou para o João, dizendo: “Olha o que tu fez!”

“Eu não, tu” - diz o João – “Eu não tenho arma.”

Eu caía contra a parede, ensangüentado e tossindo. E o gringo, transtornado, questionando: “Com o que que tu carregou esta bosta?

“Com os cartuchos vermelhos da caixa em cima do guarda-roupas”, disse ele.

“Meu Deus, aqueles são baletões pra bicho grande! Matei o Loko... Matei o Loko.”

Eu já caído babando, o João se aproximou, apoiou minha cabeça e sentenciou, ta morrendo.

Deu um desespero e um descontrole no homem que começou a falar sem nexo: “Sobrinho, desce na avenida, ataca uma ambulância, chama um médico.”

Não contente, desceu ele mesmo, fez uma volta lá embaixo, e voltou correndo escada acima. Neste ínterim, o zelador Henrique, já bêbado, viu a cena e foi falando: “Tem que chamar a polícia”.

O Bafo chegando e o zelador naquela ladainha: “Tem que chamar a policia, e vou avisar não tenho nada com isto, to descendo.”

O bafo inconsolável, chorava , batia a cabeça na parede: “O que que eu fiz!”

Foi chegando gente, vizinhos, todos pra ver a tragédia. E eu me levantando, nós rindo, foi quando me aproximei do Bafo, que me olhou dizendo: “Não levanta, pode piorar o teu estado, te deita.”

Levou uns cinco minutos para ele começar a entender o que houve e se recompor.

Santo remédio, pois o pistolete desapareceu do ap. e ele, nunca mais nos azucrinou, embora ás vezes dava uns GRUNIDOS, talvez de saudade.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O 418 JOSÉ (EU) DE SERVIÇO NO 4º RCC


O soldado José, eu, estava de serviço durante a semana, e no quartel divide-se o tempo em períodos chamados “quartos”, e as duas horas de “quarto” que cada indivíduo fica de serviço, é sorteada. Certa feita, no sorteio dos “quartos”, eu era quem substituiria, na sequência dos quartos, o soldado Henrique Vanzin de Sarandi (gringo furioso, brabo, raivoso e vingativo).

Certa vez desmanchei a beliche dele, que caiu, e fez com que ele ficasse toda noite de plantão para me dar uma facada (tive que dormir em cima dos armários do pelotão, e na madruga, ao me virar, caí e trinquei duas costelas).
Até ai tudo bem, ele já não me amava muito! Até que, nesta noite em que devia substituí-lo, ou seja, “quando fui rendê-lo”, em termos do quartel, encontrei ele dormindo com a arma do lado. Me aproximei “pé por pé”, peguei a arma e sai pra longe. Camuflei a arma e, fiz o que se faz quando se está chegando e não se quer levar um tiro – chamei por ele:
- Guarda... Guarda... Guarda...

Foi quando ouvi aquela voz debilitada:
- Avança a senha.
Respondi:
-Caneco.
E pedi a contra-senha.

-Cantil.
Disse ele.

Respondi outra vez:
-Sou eu, Henrique. Tá na hora.
Fui me aproximando dele, que já estava em desespero procurando por algo com um pedaço de galho de eucalipto na mão.

Ele me pede:
- José, me ajuda. Não sei o que fiz da minha arma. Acho que me roubaram. Por favor, pega esse pau e fica “na hora” enquanto eu procuro. Fica no escuro que o ronda não vê que tu está desarmado.

-Mas tchê! Eu não vou ficar com esse pau na mão! Lembra do Medina com aquela história da invasão do quartel, ele nem perdeu a arma e levou cinco dias de cadeia. Perder a arma vai dar no mínimo 60 dias de cadeia, e ainda vai ter que pagar o equipamento. Isso dá processo pro resto da vida! Tua mãe vai morrer de desgosto!

O gringo chorava, se lamuriava. Consegui convencê-lo que, por cansaço, a gente anda sem se dar conta (tipo sonambulismo), e que talvez ele tivesse largado a arma em algum lugar.

Após convencê-lo chegamos a um acordo: eu ajudaria a procurar a arma, o que o livraria da cadeia, da desonra e etc., e se nós a achássemos juntos ele teria que me pagar na cantina três chokitos e dez pastéis.

Para ele foi um alívio. Começamos a vistoria.

Por uma certa casualidade, o José 418 achou a arma! E teve sua recompensa regiamente cumprida!!

Da raiva anterior passou a ser um grande admirador. Dizia para todos:
- Esse cara é um baita colega!! Bah! Não tenho palavras, me tirou duma fria...

O LOKO E O GAROBA (Garibaldi Martins)



Após meu retorno de POA (onde morei por 18 anos), arrendei, em parceria com Gaspar Santana, uma terra ao lado do Rio Caverá (propriedade da Sr. Carlos Prates), local muito procurado por caçadores de capincho e outros exterminadores da fauna.

Logo após a ponte sobre o rio, uns 100 metros pra dentro do mato, era onde tínhamos estrutura para puxar água para a lavoura (“puxe”), o que era feito por um trator, sempre supervisionado por algum funcionário. Eu estava na lavoura quando o supervisor avisou que havia junto ao “puxe” dois elementos desconhecidos.

Desloquei-me para lá e encontrei o Garoba e o Elefante, dois caçadores, bons atiradores e bem conhecidos meus. Tudo bem! Ficamos conversando, tomando um vinho, e o Garoba se gabando de suas qualidades, até que resolvemos testar essas qualidades tão exclamadas.

Marcamos uns 30 metros, onde foi colocada uma tampa de garrafa em cima de um moirão, que serviria de alvo. Dessa forma veríamos quem atirava melhor. Fui atrás do banco da minha camioneta (Fiat comprada do Dego, na qual o Mário César da madeireira tinha se suicidado dentro) e peguei a minha arma, uma Puma calibre 38, e voltei para o local do teste.
Acontece que o Garoba tinha levado uma lingüiça para o almoço, que estava enrolada no arame da cerca, pouco mais para o lado da tampa pra onde estavam se dirigindo os tiros.

O Garoba deu o primeiro tiro e a tampa voou seguida de um alarido de felicidade. Deu outro tiro... Mesmo resultado. E então começou:
-Atira, Elefante! Atira!

Ele atirou. Mesmo resultado. Outro tiro... E mesmo resultado. Como eles estavam atirando de calibre 22, o resultado era excelente!

Chegou minha vez! Eles cuidavam atenciosamente a tampa, e assim não viram que apontei minha arma mais para o lado de onde ela estava e atirei. Nada!! A tampa nem se mexeu!

-“Atira de novo, infeliz!” - Dizia o Garoba!

Atirei.

Nada!

A esta altura, junto com o vinho que estávamos tomando, o alarido do Garoba fazia um eco no Caverá!
-“Mas não é possível”, dizia ele. “Um homem com uma arma dessas errando deste jeito, é o legitimo chambão.”

Eu fiz uma cara de encabulado, e após vários apelos, tive que atender o pedido para atirar novamente, pois, segundo eles, eu não tinha acertado nem o moirão da cerca.

Dei o terceiro tiro.

Nada!
Mas vi que a última volta da lingüiça se despencava em farelos no chão. Guardei a arma, fingindo estar constrangido, tomei mais um gole de vinho, subi na camioneta e dei a partida enquanto o Garoba dizia:
-Quando quiser aprender a atirar, liga aqui pro papai ou com o professor Elefante.

Risada geral!

-Deus me perdoe, errar no dobro desta distância com essa máquina.

Foi quando fechei a porta dizendo:
-“Tá bem, Garoba. Tchau.” Ficou o Garoba uma risada só, e o Elefante mais comedido.

Andei uns 10 metros e dei ré. Ele me perguntou:
- O quê que tu quer Loko?

Respondi:
-Só pra te avisar que se precisar de uma panela para cozinhar teu guisado pode pegar lá no acampamento.

Ele:
- Mas tu acha que vou andar caçando com uma panela pendurada na cintura? O negócio é assado, vinho e saber atirar.

Eu novamente:
- Ah tá, então dá uma olhada na tua lingüiça...

E me arranquei.


O apelido do Garibaldi é “Gariba”, mas em homenagem ao Luis Leão, que é muito enjoado e o chama assim, segui o ritual.

domingo, 6 de setembro de 2009

O JOÃO CAVALO NA MANUTENÇÃO DA KASPER.


Por quatro anos, fui encarregado dos suprimentos da Kasper. Subordinada à minha área estava a manutenção da empresa (elétrica, hidráulica, equipamentos, etc.), o que naturalmente era terceirizado.

O João Cavalo, apelido dado a ele pelas habilidades que tinha em dar um “cavalo-de-pau” ou um “zero” com um carro no menor espaço possível, como por exemplo, em cima da ponte José de Abreu de Rosário, ou usando uma pista só na frente do Comercial... Tudo com a maior facilidade.

Ele era proprietário de um Maverick V8 com alguns HP´s a mais, branco perolizado, rebaixado... Um canhão! O João prestava serviços de manutenção, e seu forte era a parte elétrica.

Não me lembro onde estávamos, lembro que o João pediu que se aparecesse algum serviço, que eu passasse para ele, que a coisa andava meio devagar. Uma tarde, Sr. Teldo Kasper, Diretor Presidente do grupo, me chamou na sua sala e pediu que mandasse alguém averiguar o que estava acontecendo com a chave da luminária de cima da sua mesa, que piscava constantemente, interferindo também em diversos equipamentos (como a empresa lidava direto com soja, os equipamentos eram conectados direto com a bolsa de valores de Chicago).

Enfim, que resolvesse o assunto! Chamei o João que no outro dia se apresentou com secretário e tudo (o secretário dele era o Joãozinho, seu vizinho, que chamava o João Cavalo de Carepa. O Joãozinho hoje é um empresário de sucesso).

Avisei do conserto ao Sr. Teldo, que foi para uma reunião em outro andar da empresa. A sala do Sr. Teldo media 7x8, com teto de gesso rebaixado e trabalhado, luminárias de 2,40 m duplas, luz do dia, com mesa de reunião, mesa principal, tudo de vidro e uma parafernália de equipamentos. Antes de começar o serviço, o João foi alertado para forrar tudo e evitar desligar qualquer equipamento. Caso tivesse que movimentar alguns documentos, chamasse a secretária responsável.

O João começou examinando as tomadas, as descidas de energia, e não encontrou nada. Resolveu então tirar a luminária onde apareciam os curtos-circuitos para examinar os reatores, não encontrando nada. Organizou um poleiro com umas cadeiras e um banco, para poder expiar a fiação acima do gesso. Foi colocando o corpo para dentro da abertura se debruçado sobre essa estrutura de gesso. Em cima era escuro, e ele já estava com meio corpo dentro do forro. Foi quando levou um choque de um fio sem isolação, que encostava nos outros. Começou a tremer! Derrubou o dito “andaime” que tinha feito, e abaixo de mau tempo tentou se segurar no forro, abrindo os braços. Foi pior! Desceu junto com ele a metade do gesso da sala, com tudo, quebrando o vidro da mesa e o que estava embaixo do teto.

Minha sala era no andar debaixo. Quando ouvi o estouro, subi correndo já imaginando o pior. Abri a porta e vi aquele caos: tudo quebrado! O João tremendo, sentado contra a parede, o cabelo em pé, a cara preta do choque e o resto tudo branco do gesso. O Joãozinho, o secretário, mais afastado, com os olhos arregalados, nem olhava pra mim e se mordia para não rir. Dizia ele, sério, com um ar de deboche:
- Pobre do Carepa! Pobre do Carepa, quase morreu!

Era uma polvadeira só, que tinha sido gerada com o gesso quebrado! Não demorou muito pra o Sr. Teldo adentrar na sala, abrindo o verbo!

Chamou todos de tudo, inclusive o contratante (eu). Escutamos cinco minutos aquela ladainha, calados, até que ele parou de falar. Foi quando eu disse:
- Posso falar, Sr.Teldo?
- Mas o quê que tu tem para falar?
- É o seguinte: o Sr deveria estar agradecendo este homem, pois onde ele levou o choque, estava tudo em curto a ponto de pegar fogo, e esse gesso que caiu foi fixado só com pedaços de tiras de madeira, como o Sr bem pode ver ai nos restolhos. Isto ia cair sobre a sua cabeça, pois despencou de repente.

O João só deslocou a luminária.
Continuei:

-“Observe que os cantos estão todos trincados” -com o peso do João, o que não quebrou, trincou- “Isso já era pra ter desandado.”

O velho olhou os cantos da sala e realmente estavam cheios de trincas. Após observar, meio assustado, se sensibilizou pedindo desculpas ao “pobre coitado do mártir”. Chamou a empresa construtora, que não soube explicar o acontecido e, embora desconfiados, refizeram a instalação e o gesso como cortesia.

Autorizou o pagamento que seria feito pra o “coitado”, condicionou o meu departamento para que toda manutenção fosse destinada ao João “Mártir”.

Não demorou muito tive que me livrar do João, pois como protegido do “home”, ficou se achando muito grandão.

O LOUCO DO ALVORINO NA PENSÃO VITÓRIA


A pensão Vitória tem três pavimentos, frente, escadas, pisos e algumas paredes de alvenaria com várias divisões de madeira na vertical, onde morava um monte de gente empilhada em beliches. Como era barata, nem esquentávamos a cabeça.

Nos serviam pão velho, carne estragada (aferventada com vermelhão e alho para pegar cor e disfarçar o cheiro) e daí por diante. Sempre parecia que ia ter mondongo! Nós morávamos no último andar, o 4º, quase um apart-hotel, pois tinha banheiro. Éramos eu, o Flávio e o Caranta.

Um dia apareceu um novo inquilino, conhecido nosso de Rosário, que chamavam de “Louco do Alvorino”, apelido dado a ele pois morava com o Sr. Alvorino do INPS, pai do Horácio e do Aldo (algum tempo depois o Horácio veio morar conosco, mas é outra história). O nome dele eu nem me lembro.

O que não tinha perdão na pensão, era atrasar o pagamento do aluguel. Após quatro meses, o Louco atrasou! Foi chamado na direção, quando pediram que regularizasse a conta e que procurasse outro lugar para morar. O Louco se virou, pagou e quando chegou a tarde, a cama dele já estava ocupada (no 2º andar) e suas roupas estavam enroladas ao lado da porta. Mas ele não tinha para onde ir, e nem se preparou com tanta urgência. Bateu nele um certo pavor.

Falou com o Flávio, que de pronto se manifestou:
- Posa aqui em cima conosco que ninguém fica sabendo, e amanhã, antes do café, tu te manda sem que ninguém te veja. Aí tu te vira.

Resolvido o problema, organizamos o pardieiro, mas não nos conformamos com a atitude desleal do véio (foi padre) que mandou ele embora. Chegou o Caranta, que era o mais velho, 47 anos, decidiu:
- Vamos nos despedir do Louco! Vou pagar um Velho Barreiro pra nós. Flávio, tu busca.

Realização total! Junto, veio um litrão de Pepsi (que era mais barata que a Coca) e outro Velho Barreiro, Lá pelo meio do primeiro Velho Barreiro, a imaginação começou a ficar fértil e concluímos: para retribuir o desaforo feito ao Louco, ele teria que cagar na porta do quarto do dono da pensão antes de sair de lá. Maravilha!! Plano aceito por nós por unanimidade e sem contestação. Mas o Louco ponderou, com razão. Isso poderia demorar, o velho acordar e encontrar ele, ou ainda, podia passar alguém, pois para todos os efeitos ele já tinha ido embora.

Resolvemos então que os três iriam fazer as necessidades, dentro de um saco de “Cristalçúcar”, e que o Louco, ao descer, levaria o saco e esfregaria na porta.

Com a nossa conversa alta e já no 2º Barreiro, o pessoal do 2º pavimento subiu pra saber o que estava acontecendo. Relatamos o plano. A adesão foi geral. Questão de meia hora o saco tava quase cheio, mais que o necessário para a empreitada.

Lá pelas 5h nós ainda estávamos acordados, e o Flávio resolveu descer com as bagagens do Louco para esperar por ele na Praça D. Feliciano, em frente à Santa Casa, para que o Louco tivesse as mãos livres para realizar a obra.

O Louco pegou o saco e saiu. Até hoje não sei como ele fez. Presumimos que ele desceu de costas e foi reboleando aquele saco até a porta da entrada. O último lance da escada da entrada tinha 5m. Eu nunca tinha visto um estrago tão grande: era no teto, nos lustres, nas portas, e principalmente, na porta do veio. Por tudo!

Lá pelas 6h30m fomos “acordados” pela BM que tinha sido chamada pelo dono da pensão para investigar quem tinha feito tamanho estrago.

Como o acontecido tinha começado no 2º andar, a Brigada logo nos descartou, permitindo que fôssemos trabalhar e ficando fora da “CPI da Bosta.”

Já fazia três dias do acontecido quando chegaram à conclusão que deveria ter sido alguém de fora que pudesse ter feito uma cópia da chave, ou alguns marginais poderiam ter adentrado a pensão. Resolveram trocar até as fechaduras da entrada.

O fedor era tão insuportável que ninguém aceitou fazer as refeições na pensão. O velho teve que pagar durante quatro dias um buffet na Rua da Praia aos pensionistas (barato).

Lavaram as paredes e portas com pinho-sol, Q-boa, e mesmo assim levou uns dez dias para que as coisas voltassem mais ou menos ao normal.

O dono da pensão deve ter entendido mais ou menos o recado pois a coisa melhorou em tudo um pouco: ATÉ NO PREÇO!

Nunca mais vi, nem ouvi falar do loco, mas que valeu a pena... Valeu.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

SEU MENOCA - VALDEMAR SILVA


O Seu Menoca, homem rural, sério e bem humorado, era proprietário de terras lá pelo lado da Capela. Passava umas duas semanas na Estância e depois alguns dias na cidade. A casa da cidade se localizava na Rua General Osório. Pra sorte dele, entre a minha e a do Flávio, que, na época, não tinha muita experiência em roubar galinha, pois colocava um grão de milho na ponta do anzol, e passava a tarde tentando pescar uma galinha do vizinho, o Seu Menoca.

O Seu Menoca ficava cuidando e se divertindo, pois realmente não se importava... Era uma diversão pra ele! Uma tarde andavam por lá o Flávio e o Pinga, concentrados na pescaria, que não dava resultado. O Flávio não viu que o Seu Menoca se aproximava, pé por pé, da base do muro, o que foi visto pelo Pinga, que disparou sem ter tempo de avisar o parceiro.

O Seu Menoca ficou embaixo do pesqueiro, o Flávio lá tentando e nada. Até que uma voz falou: "Atira mais longe, senão as galinhas não enxergam o milho."

O Flávio, sem olhar, responde: "Não dá, senão o Seu Menoca vê."
A voz disse: "Não vê nada. Ele já viu e não se importa."

Quando caiu a ficha do pescador, ele voou por cima do muro! Levou o portão da horta do João Mayer entrelaçado nas pernas até a cozinha!E Passou o resto da tarde estudando na expectativa que o Seu Menoca fosse fazer queixa pro pai dele ( Nós tínhamos medo do João Mayer).

Como o Flávio não passava mais na frente da casa do Seu Menoca (quando tinha que ir lá em casa dava toda a volta... Texaco, Rodoviária velha, Marçal Pacheco, etc...), ele me chamou pra entregar um material de pesca que devia ser do Flávio, mas que "não sabia" como que tinha ido parar no pátio dele.

O Seu Menoca era mais arteiro que nós. Noutra feita, ele trouxe da estância umas 50 linguiças e as colocou num varal, longe do muro que dividia o meu pátio com a casa dele, mas deixou duas linguiças próximas do muro divisório, que nem tínhamos visto. Acontece que ele tinha um cachorro, chamado Rex, que não deixava ninguém entrar no pátio.

Ao passar na frente, vimos aquele atentado, mas não nos arriscamos. Fomos dar uma volta na frente da casa do vizinho e lá estava ele, sentado numa cadeira preguiçosa, alpargata, bombacha... E já nos chamando e cumprimentando: "Ê ai gurizada, como é que vamos? E as moda, colégio, tudo bem?"
Respondemos: "Tudo bem, Seu Menoca, e o senhor? Muito cansado?"
"Um pouco", disse ele, "carneei anteonte uma vaca e dois porcos e fiz um lote de linguiça, que é pro aniversário da Adélia" (esposa dele). "Já coloquei pra secar no varal, mas tive que prender o Rex pro lado de cá, pode ele querer mexer nas linguiças..."

Nos olhamos e concordamos com ele. Mas já fomos dando a volta discretamente, pois o Guarda, o Rex, estava impedido, e não podíamos perder tempo.

Enquanto íamos até minha casa, Seu Menoca, pegou uma cadeira de abrir, e colocou num lugar dentro do pátio onde não era visto, para esperar o desfecho do caso. Entramos no meu pátio e fomos direto ao muro. Pulei e peguei as 2 linguiças. Atirei pro Flávio abaralhar, que tava do outro lado do muro! Só depois que eu já estava subido no muro, voltando, que ouvimos aquela voz de longe: "Adélia, acho que tem um pessoal estranho no pátio! Solta o Rex, solta o Rex! Pega Rex, Pega Rex!"

Se divertia às nossas custas e nos controlava com muita autoridade!
E nunca soltou o Rex!!!

Nós cheio de pecados,começamos a evitar passar em frente a casa dele, e no domingo, o dia do aniversário da Dona Adélia, quando a mãe voltava da missa, mandou um recado, que era pra eu e o Flávio irmos almoçar com eles pois estava assando umas linguiças!

Não fomos! Saudades do Seu Menoca...!

UM CONSELHO DE CURTO ALCANCE



Eu e o Chico da Willys (Renato Silva), todas as semanas, vínhamos nos entreverando com uns e outros. Não importava o lugar, sempre aparecia alguém pra complicar. O que acontece é que depois que tu pega alguma fama, de maleva, por exemplo, tu não precisa procurar rolo, a coisa vem ao teu encontro de graça.

Estas rusgas constantes foram incomodando Seu Osvaldo (pai do Chico). Então, num determinado sábado, ele armou um sopão junto com a Dona Lourdes (mãe do Chico) para ter uma conversa conosco.

Em casa, só as gurias, Lizete, Lucinha, Leila e o namorado Renato Temp. Comprou umas cervejas, refrigerantes e acompanhamentos pra janta.

Cheguei, o Chico morava lá, o Seu Osvaldo fazendo o sopão, nos abriu uma cerveja e começou o mijo...
-"Olha, gurizada, a coisa tá ficando ridícula. Eu trabalho numa empresa de porte, tenho responsabilidades com a comunidade, e só o que eu ouço é 'o Chico e o Carlos brigaram de novo'. Isso não pode continuar, além de inconveniente, vocês não são cachorros! E além do mais, daqui uns dias, as brigas não vão ser mais de soco, alguém vai ter que pará-los, facada,paulada, bala... E eu não quero perder mais um filho." (O Régis, irmão do Chico, tinha falecido...)

Se emocionou e nos emocionou também.

Prometemos a ele que iríamos parar com essa frescura. Evitaríamos desavenças de qualquer maneira. O assunto se esgotou e nós ficamos bem constrangidos.

Ficamos até quase meia noite tomando cerveja. Até que resolvemos dar uma volta no Caixeral, só pra dar uma olhada no movimento.. Nos despedimos e saímos pela porta da Amaro Souto, em direção ao Clube.

Acontece que, na terça-feira passada, nós tínhamos dado uns corretivos, lá na rodoviária, em 2 marginas lá da Vila Ana Luiza, e a provocação tinha partido por parte deles. O problema é que, justo nessa noite, eles ficaram nos esperando na frente da Operária, que era caminho até o Caixeral, e ficava uns 50 metros da porta do Chico.

Dessa vez vieram entre 5 pra nos pegar. Quando confrontamos com o grupo, ficamos totalmente sem jeito. Não por causa daqueles caboclos subnutridos, mas sim pelo conselho.

Fomos recuando uns 30 metros tentando evitar o choque, o que encorajou os oponentes, que acharam que nós estávamos fugindo. Dois correram por trás pra nos parar e não nos permitir voltar pra dentro de casa.

Paramos. Não tinha como evitar... A coisa foi rápida! Durou só de 2 a 3 minutos e o caso já estava resolvido. O que não impediu a família de ouvir o alvoroço e sair pra rua, vendo o final do entrevero.

Com a fuga dos tentiadores, nós não tínhamos o que dizer. O Seu Osvaldo esbravejava furioso...: "Mas não tem fundamento! Um conselho de pai não dura 20 metros nem 5 minutos. Aonde nós vamos parar... Tô desistindo de vocês! Foi o conselho de efeito mais curto da minha vida."

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

DESPEDIDA DE SOLTEIRO DO GOIABÃO


O Goiabão (filho do Nadir Monte), ia casar com a Célia Dantas. Na época, ele era um bom partido. Filho de rico, já se formando em Veterinária, melhor carro da city... Era ser o casamento do ano!(EM ROSÁRIO, TODOS OS ANOS TEM SEMPRE MAIS DE UM CASAMENTO DO ANO) E os convivas selecionados a dedo.

A Célia tinha sido minha colega de aula nas freiras (eu tinha sido excluído do Plácido, a bem da disciplina e da incompreensão...), pois só me restava o Horto. A colega, depois que noivou com o dito, trocou até o tranco! Começou a escolher as amigas, a cumprimentar pessoas mais interessantes,pintura, bordados,harpa e até a saia ficou mais comprida.

O Goiabão, não muito afeiçoado ao cotidiano da SAFURFE, mas que dizia admirar, falou com os guris pra fazerem uma galinhada das nossas pra fazer a despedida.

O Flávio, Cabeludo, Dilermando, Cabana e o Chibo acharam o máximo e acertaram de primeira (tudo sem interesse nenhum. O Goiabão pagou duas caixas de cerveja e seis litros de canha). Daí foram falar com um especialista, eu, que também topei e era o dono da panela.

Ficou tudo combinado. Ia ser na praia. Na época não existia o camping e era tudo na areia. Não tinha nada por lá... Nem água ou lenha, nada. Chegada a noite, o Goiabão indicou o local onde as galinhas eram gordas, os donos eram velhos e nem cachorro tinham. Convoquei os parceiros, Renato Fonseca, Demitri Motta, Robson Prates, Zé Machão e o Flávio, e nos dirigimos ao local.

Surrupiamos 12 penosas bem gordas.

Chegando na praia as coisas já estavam encaminhadas. O fogo, as pedras pra escorar a panela, uma mesa de camping pra cortar os tomates, cebolas, etc. O José, o Armando, o Cézar Duquia, o Cabana, o Éder e o Ney se encarregaram de ir até a beira do rio cortar e limpar o material ganho (como não havia água quente, as galinhas foram coreadas. Bem light.

O Locha se encarregou de buscar a água, pois ficava longe, auxiliado pelo Jorge Wraitt,o mauricio cardoso ficou com a lenha. Eles não pertenciam à SAFURFE, mas foram convidados pelo noivo no Comercial (o Locha, e nem o mauricio não eram da SAFURFE, mas tinha trânsito livre conosco, na nossa e em todas as turmas, o que acontece ate hoje!). Acontece que próximo, uns 40 metros, da nossa comemoração, tinham armado duas barracas, e estavam se sentindo os donos do ambiente: uma do Jairo Rosa (estrela-mor do cartório) e a outra do Zeno (puxa-saco do Jairo, acho que trabalhava em um banco), que não estavam gostando da função,querendo exclusividade do local e não queriam ser perturbados.

A coisa ia bem, e numa das buscadas de água do Locha, o Zeno estava esperando por ele, e foi logo avisando: "Tu é amigo das minhas filhas e não quero que te compliques. Já chamei a polícia. Te manda porque esses vagabundos vão tudo preso."

O Locha chegou, sem muito alvoroço, nos comunicou o fato e, realmente, tirando o noivo, ninguém deu muita bola. Neste meio tempo chegou um cabo do Exército que ia passando, o Guma, que não tinha nada a ver conosco, era apenas um conhecido dos tempos de quartel. Ele ficou ali na boa, conversa com um, conversa com outro,e ficou sabendo do assunto , já se achou autoridade:"Ninguém nos prende!" (naquela época, qualquer milico era "home", principalmente frente a Briosa...). Achamos muito bom e passamos a dar trago pra nossa autoridade.

Começamos a cozinhar pela meia noite. Na panela e na picada, eu, o Melado, o Éder, o Cabana.O Goiabão e dois convidados ao lado, só esperando o desenrolar da iguaria, bebendo whisky discretamente.

Com o subir do álcool, subiram juntos, o som, o tom de voz, os discursos... O que inflamou os vizinhos. O Jairo tinha até revolver e queria da tiro (em tempo, eu estava sem beber, curando uma baita gonorréia - 3 benzetacil - e o álcool não combinava).

A galinhada tava quase pronta. Era uma e meia da madrugada quando chegou a Brigada, dando voz de prisão à todos por pertubarem a ordem pública.

Não concordamos com isso. E foi então que nossa autoridade Guma, já bêbado, interpelou os PM´s, e a coisa não ficou boa. Do outro lado, o Zeno e o Jairo (do revólver), cheios de autoridade, esbravejavam a toda, exigindo a nossa prisão.

Fui falar com os PM´s e concordei, em nome de todos, em acompanhá-los, mas só depois que nós comêssemos a galinhada (eles eram só 6, e nós 17), e a minha fama de estudante do colégio de freiras já ia longe. Comunicamos que as galinhas eram doação do noivo e explicamos o porquê da comemoração.

Uns concordaram, outros não, mas terminamos o prato e seguimos jantando. Convidamos eles. 3 aceitaram de pronto e 3 ficaram fazendo lombo duro, mas em seguida comeram como condenados (isso os fez perder um pouco da autoridade...). Terminando a janta, já quase 3 horas, o Zeno veio exigir dos PM´s o nosso recolhimento, o que gerou descontentamento por parte do Guma, que estava com uma prato de lata na mão ainda jantando. Se virou e enfiou aquele prato,com bóia, na cara do Zeno,e ainda,não sei como, deu uma mordida nas costelas.

A cena obrigou os PM´s a chamar o Choque do Exército. A coisa ficou feia e ficamos sem razão.

Os PM´s estavam numa Pick Up Willys e fomos subindo todos pra cima, mais os 6pms. Não deu outra. A camionete não saiu do lugar. Trancaram as rodas embaixo e não se mecheu, e ninguém descia.

Chegou o caminhão do Choque pra levar o Guma e os PM´s negociaram com o Sargento do E.B. pro caminhão levar o pessoal até a delagacia, o que foi aceito com pelo Sgto.

A tolda do caminhão era em cima, ficando a frente e a traseira abertas. Começaram a subir os condenados, sendo que subiam 3 por trás e desciam em mesma quantidade pela frente. Aquela folia durou até resolverem colocar 2 dos PM´s na frente para interromper o trânsito.

Tudo carregado. Pessoal, panela, uma canhas que sobraram, as cevas já tinham furado, o noivo e seus amigos já tinham vazado, e quando o caminhão se mexeu, o Locha, o cardoso e o Jorge que estavam debaixo de uma barraca de lona,(parece que era de uns primos do ney) saíram pra fora gritando: "Parem, parem. Nós também ´tamo preso!"

saltaram todos de cima do caminhão pra abraçar a parceria. E foi mais meia hora de missa, mas já com a presença do Seu Mário Cuiudo, a cavalo, pra servir como batedor do comboio.

Após todos colocados no caminhão, seguiu o cortejo pela 7 de Setembro, o Mário Cuiudo a meio galope,na frente, mais o caminhão e a camionete dos PM´s. O caminhão parou na lateral da delegacia (confrontando com o Plácido, no beco José Scherer), já eram 7h da manhã.

Fizeram um cordão e fomos entrando todos pra sala da frente que era maior, com a panela e as canhas. O caminhão do choque se mandou. Os PM´s entregaram os papéis pra os Policiais e se mandaram também, e ficamos por conta do Moreira e do Luiz, inspetores (faixas nosso), que chamaram o Delegado Chicão pra resolver o assunto, já que os acusadores (Jairo e Zeno) não tinham o que acusar, e nem nós sabíamos do que éramos acusados.

O malfeitor já tinha sido retirado (o Guma). O Zeno estava lá com os beiços avantajados do inchaço causado pelo "prataço", e meio curvado por problema nas costelas.

O Delegado Chicão chegou. Tomou parte do assunto, liberou os acusadores e começou a fazer algumas ligações. Na sala da frente o gritiriu era grande e a canha que tinha sobrado ainda tava correndo solta (o Flávio tinha levado embaixo das roupas), o delegado foi até lá e mandou todo mundo calar a boca senão iam todos pro presídio. Mas logo lhe foi lembrado que o caminhão já tinha ido embora... Se indignou, mas não respondeu, sendo interpelado pelo Flávio: "Por favor, Dr. Chicão, posso ir fazer xixi?"

Só olhou pro Flávio e disse: "Faznas calças ou aonde tu quiser, mas ninguém sai dessa sala", e se retirou. O Flávio tranquilamente foi até a parede do fundo e descarregou, sendo seguido por outros necessitados, alguns até vomitando.

O Moreira viu aquilo e se dirigiu ao chefe: "Olha Delegado, eles tão mijando e vomitando. Só falta cagar, o que não demora..."!

O Delegado furioso disse: "Moreira, abre a porta da frente e bota tudo a correr. Se for preciso tu toca bala que eu não quero mais nem saber desta nbalburdia e nem desses caras aqui dentro".

Saímos pela porta da frente e seguimos pela João Brasil, com a panela pela metade de bóia, e fomos até a casa do Mazzaropi, pai do Zé Machão, e a festa seguiu até a meia tarde...

Obs.: Não fomos convidados pro casamento. Ah, e já se desfez faz tempo...

MUNDO COLORIDO


O Baixinho Melado, ou Kita,ou José Aristes, trabalhava num determinado banco em Porto Alegre, mais precisamente de caixa. Eu na gerência de suprimentos da Kasper.

Como caixa, eles não prestavam conta todos os dias, somente no final do mês. Durante este período eles usavam pequenos valores do caixa pra diversas bobagens, e quando recebiam, recolocavam os valores gastos, prestando contas.

Uma manhã próxima ao dia 25, ao chegarem na agência , receberam a notícia que haveria auditoria em todos os caixas, durante o expediente, o que causou alvoroço geral, principalmente no Melado, que é o que mais usufruía desta prática.

Após tentar vários meios para conseguir o valor necessário, desistiu, e todos estavam no mesmo barco. Os auditores se aproximando, o nervosismo batendo. Quase meio dia e se lembrou do Valenzuela (sim, eu!), fechou o caixa para almoçar, e correu pra Kasper, entrando sala adentro sem ser anunciado (não dava tempo), todo desalinhado, e esbaforido dizia:
-“Tu tem que me salvar, tu tem que me salvar, só resta tu...”

Me contou história e os valores necessários, e explicou que após o almoço, um dos primeiros caixas a serem auditados seria o dele. Para aumentar o desespero do Melado, eu logo disse que não tinha como conseguir este dinheiro.

Ele sentado ,suando, as pernas abertas, a cabeça quase nos tornozelos, gemendo. Busquei um café bem forte para o acalmar, e enquanto ele se distraia com aquele artifício, fui até o financeiro da empresa, peguei o valor necessário, assinei o vale para o meu departamento, e voltei para azucrinar o Melado, dizia: “O brabo não são algemas, é o jornal, a foto, os comentários... tipo caixa da desfalque, pastel, suco, torradinhas, guloseimas, cerveja, janta no Chimarrão, sapato novo... é brabo”.
Coloquei o dinheiro na frente dele, mas ele não enxergou.

Chegou o meio dia: “Bueno Baixinho, já que não deu de um lado, vamos almoçar.”
-“Eu não tenho fome, tu não ta entendendo” –dizia ele-, “todos me abandonaram...”

Drama total... Nisto ele levanta a cabeça, enxerga o dindin, arregala os olhos, pega e sai correndo em direção ao banco,chegando bem antes da auditoria.

Me agradeceu eternamente, disse que no pagamento,dia cinco, me ressarciria.
Contudo, no mesmo dia, já tomamos umas cervejas por conta do caixa, mas não passou disto. E nunca chegou o dia do pagamento.

Dai uns tempos se demitiu do banco, e foi morar em Capão da Canoa , corretor de imóveis.

Lá chegando, conseguiu um sócio capitalista, meio descontado, e montaram um bar num prédio desse cara. O bar realmente era de muito bom gosto, vários ambientes, todos decorados, o piso de veludo vermelho, com espelhos, quadros, ornamentos. Tudo nota dez, incluindo os serviços e os preços. Deram ao local o nome de MUNDO COLORIDO.

O negócio ia de vento em popa. Eu já tinha ressarcido o valor ao financeiro da Kasper, e o Melado nunca mais falou do assunto. Chegaram as minhas férias, fevereiro, fui para Capão, ficando numa pousada por 15 dias. Na primeira semana fui com a família duas noites ao Mundo, gastei, paguei, dei gorjeta, tudo em ordem (e o Melado nada).

No final da outra semana, terminariam as minhas férias, então comecei a convidar pessoas que conhecia do lado profissional, para jantarem comigo no Mundo Colorido no meu aniversário sabado(que na verdade é em novembro), e já avisando que a conta era comigo, para dar quórum. Consegui uns 20 convidados, reservei o espaço, e no sábado, lá pelas 21h30 começaram a chegar os convivas. A festa ia legal,Uns caras muito chochos, naturalmente eu sugeri a todos como prato principal, camarão gigante, grelhado na manteiga, com guarnição (maravilhoso), por acaso o prato mais caro do cardápio.

Lá pela 1:30 o pessoal começou a ir embora, me alcançavam a comanda, me abraçavam(ja tinham dado o presente) e se retiravam. A mesa foi se esvaziando, ficando só uns mais próximos, 6 gatos pingados ,incluindo a família. O Melado viu que ninguém acertava a conta, e sentiu o cutuque. Chamou uma das garçonetes, pedindo para me perguntar,que como ele tinha que fechar o caixa, se eu ia pagar com cheque ou cartão. Respondi: “VOU ASSINAR A NOTA”.
Quando recebeu a noticia, só ouvi: “É A MINHA RUINA”

Se tem uma coisa bem real, o que o Melado tem de sobra é CLASSE, e não se abala por mixaria.

Após o tremor inicial, se dirigiu pra mesa, nem olhei pro semblante dele, esperando o estouro, pegou uma cadeira,pediu licença, sentou ao meu lado, olhou para a garçonete, e pediu 4 chopps, sem falar nada bebeu todos, de gut-gut, me olhou dizendo: “Só não vou pedir camarão porque vocês comeram tudo, DESGRAÇADO”

Sem muita conversa as contas ficaram certas e bebemos até clarear o dia.
Daí uns tempos terminou o Mundo Colorido pegando fogo. Não houve culpados. Mas o SEGURO era grande.

O Melado continua morando no meu coração.


*Foto: O Melado mesmo!