sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O CRUCIFICADO

Estávamos num final de domingo, 21h, eu, César, Diler, Gordo Armando, Flávio, Ney, Edinho, Cabana, Robson, Chibo, Melado, Demitri, Cabeludo... Todos num bar da João Brasil, mais precisamente em frente ao Senhor dirceu franco, prédio do turco Jorge. Todos de bico seco, até que o Edinho decidiu: “Vou tomar uma canha com coca e limão... (samba)”. E seguiu bebendo...



Alguns dos outros já começaram a provar, e terminou que todos seguiram o mesmo ritual. Provando, provando... E a coisa se alongou. Lá pela meia noite, apareceu, não sei de onde, um cristão mais borracho que nós. E começou a encher o saco, se meter nos assuntos, cuspir no chão e na gente, até que encheu de vez.

O Armando então deu a idéia: “Pra gente se livrar desse borracho, só atando... Vamos atar ele na árvore da frente que daí ele pára!” (A av. João Brasil em Rosário é bem arborizada...).

Dito e feito. Como estávamos sem a corda, os guris resolveram usar o varal da mulher do turco. Pularam o muro e pegaram a corda para efetivar o processo. Agarramos ele à unha e o atamos, colocando no tronco principal da árvore... Se lamuriava, pedia pra ser solto, e lá pela 1h30 da madruga, mediante acordo (a nosso favor), resolvemos soltá-lo.

Seguiu incomodando. Neste meio tempo, Seu Ney, pai do “nosso Ney”, chegou de Camionete Brasília que tinha um bagageiro em cima (vaca). Ele morava mais ou menos em diagonal ao bar do Turco (cunhado dele), gerente das Casas Escostégui, que tinha moradia anexa na mesma firma.

Continuou a noite, todos já bebiam quando surgiu a idéia: “Vamos crucificar esse borracho em cima da camionete do Seu Ney que daí ele vai ficar bem à vontade...”

Agarramos ele novamente, atravessamos a esquina, abrimos bem os braços e as pernas do corpo e o atamos. Bem atado... E em cima da “vaca”.

O Edinho e alguns se retiraram após o ato. Nós, ainda não contentes, tocamos a campainha da casa para chamar a atenção, fugimos pra nos esconder e assistir o desenrolar dos fatos.

O Seu Ney abriu a persiana e viu aquela cena. Se encagaçou todo. Mostrava o bico do revólver pro crucificado, dizendo: “Sai daí ou eu atiro! Vou chamar a Polícia”. E chamou.

Veio a F75 da Brigada, camionete velha, pra atender a ocorrência. Nós tínhamos nos escondido dentro de um graneleiro, desses de transporte de cereais, na Bento Martins, em frente a casa do turco Jorge.

A Polícia chegou, desatou o cristão, que não conseguiu se explicar muito, e ficaram fazendo a ocorrência. O Seu Ney fumava, nervoso que nem um condenado.

Nós, ainda não contentes, descemos e demos uma corrida por umas 8 quadras para chegarmos pelo outro lado, como quem não sabe de nada, pra ver o que estava acontecendo.

Voltamos pelo lado do Marçal (Colégio Marçal Pacheco) e fomos nos aproximando discretamente. O Seu Ney viu o filho e foi logo dizendo: “Filho, o que fizeram...”, foi contando o ocorrido e relatando que ele quase tinha atirado no bêbado. A mãe estava em choque, apavorada. Até que o borracho dá uma olhada em volta e diz: “Sargento, foram esses os marginal que me ataram”.

O Seu Ney saltou: “Mas o que que tu tá dizendo?? Esse aí do meio é meu filho e os outros são amigos dele. O que que tu tá pensando???”

O borracho dizia: “Foi eles, foi eles, foi eles. E já nem tou tão bêbado assim...”

Foi, não foi... Começou o rebuliço. O Sargento então tomou uma decisão: “Todos pra delegacia”. Fomos entrando na camionete felizes, quando o Flávio empacou. Chamou o Sargento e falou: “Por favor, Sargento, o senhor sabe, nós fizemos cagada, mas não somos marginais, não nos envolvemos com drogas e o senhor conhece o meu pai! Eu sou estudante de Engenharia e queria lhe fazer um pedido.” O Sargento, consternado e meio constrangido (o João Mayer era dentista da família dele), disse: “Tudo bem, meu filho, faz o pedido...”.

“Sabe”, disse o Flávio, “eu queria ir na camioneta nova (a BM tinha recebido uma veraneio 0km), algemado e com o Pedro Valles para tirar uma foto”.

O Sargento se indignou. Deu um ponta-pé na bunda do Flávio que colou ele na frente da carroceria da camioneta velha, o que motivou os outros a entrarem nela bem ligeiro. “Todos pra delegacia”.

Lá havia 2 celas (boi preto), de dimensão de 1,5 x 2, programado pra duas pessoas. Naquela noite tinha uma gurizada medonha, e nós já tínhamos nos entreverado com eles, os Montezanos(4), o Furacão, Honorino... Só anjinhos. Terminamos ocupando uma das celas com eles. O Seu Mário Cuiudo, autoridade local, totalmente analfabeto, responsável pela delegacia, começou a colocar em seus lugares os desafetos. Uns ditos numa cela, e sobramos eu e o Diler, que ele resolveu colocar numa que já tinha 6 colegas. Não deu outra! Nós estavamos bêbados mesmo! Cumprimentamos os colegas, nos ajeitamos e fomos deitando no chão, tendo os demais que passar a noite na ponta dos pés pra não perturbar (as necessidades eram feitas ali mesmo no chão).

Passada a noite, acordadmos la pelas 7 horas da manhã, loucos de sede, começamos a gritar: “Traz água, M.Cuiudo, traz água, véio maleva”. Acontece que o M. Cuiudo, famoso em Rosário, era mau. Judiava dos detentos, batia, se provalecia, o que já dava um pavor nos colegas de infortúnio. Era mau, mas respeitava as caras (nunca bateu em nenhum de nós, só ficava nas ameaças). Por exemplo, meu pai era 1º Sargento do Exército, irreverente, não levava desaforo pra casa. E milico tinha força. E os guris, todos filhos de pessoas com influência na sociedade, ou com formação acadêmica na classe média. Não demorou muito ele nos trouxe uma chaleira com água pra tomarmos no bico, o que causou espanto nos colegas. Geralmente, nos soltavam 9h, que era a troca do plantão. Naquela 2ª feira, por acaso, Seu Neri Xavier, pai do Armando, que havia sido cedido pela Prefeitura, onde trabalhava, para adiantar na delegacia os serviços técnico-burocráticos que estavam truncados, estava lá; para assumir as funções, de trajo riscado, chegou pelas 7h30, e o M. pediu que aguardasse o delegado Wilianson que iria recebê-lo e apresentar as dependências do estabelecimento, mas já adiantou, pra ser atencioso: “O que tem de vagabundo aí, lota o presídio”.

8h30 chega o Wilianson. Abraços, recepção, equipamentos, salas, locais de trabalho. Foram lhe apresentando o pátio, e depois o pior: o boi preto. Chegando na 1ª cela, eis que vê o Seu Néri. Como o Armando era o maior de todos e tinha asma, ficou junto da porta e foi o primeiro a ser visto. O Seu Neri ,perdeu a linha, mas se recompôs perguntando: “Que tá fazendo aí, meu filho?”

“Pois é pai, como eu sabia que tu ia assumir hoje, resolvi te fazer uma surpresa e te recepcionar, pra tu te sentir mais a vontade”.

Foi um constrangimento geral. O delegado Wilianson chamando o Seu Neri na parte da frente da delegacia, enquanto o inspetor Barreto dava ordens: “Solta todos pelos fundos...”. “E os Montezano?”, perguntou o inspetor Moreira, “solta tudo, solta tudo pelos fundos. Depois a gente recolhe estes vagabundos”.

Nós saímos tranqüilos, mas nossos colegas alçaram vôo em segundos, beneficiados pela inesperada anistia! Não durou um ano e eles acabaram morrendo, nenhum por causas naturais. Mas, foram legais na repartição do hotel comigo e o Diler.

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