sexta-feira, 2 de outubro de 2009

ORGANIZAÇÃO DO CEMITÉRIO


Nas noites de meio de semana, em uma cidade como Rosário do Sul, nossa terra, não se tem muito que fazer. Mas sempre se pode procurar algo util. Quando não tínhamos pra onde ir, íamos matar o tempo no cemitério, dar uma palavreada com uns conhecidos que já tinham ido, se atualizar sobre as noticias de lá e coisa e tal.

Eu tinha uma camionete, Rural, chamada Rubirosa(bem acomodados cabiam 18 pessoas) que nos servia de transporte para as realizações. Sempre sem gasolina... O que nos obrigava a passar boa parte do tempo útil procurando doações para abastecimento. A Rubirosa, além de não ter gasolina, também não tinha banco atrás, aliás, também não tinha tanque, apenas um galão de 5 litros, atado nos pés do carona.

Na SAFURFE, drogas ilícitas, nem pensar, e aqueles que queriam oferecer ou coisas do tipo, já nem chegavam perto que sabiam que ali não era o lugar. Os usuários se excluíam ao natural, e conforme, nos dava “pau” neles. Era a grande diferença da maioria das turmas do centro da cidade, e até hoje, continuamos mão-de-ferro contra drogas.

Em compensação, as lícitas, canha, vinho, rum, cerveja, conhaque... Eram idolatradas! Muitos experimentavam as ilícitas, alguns até gostavam, mas com a pressão interna, se afastavam dos toxicos. e permaneciam na SAFURFE, já que nós garantíamos, o retorno pra casa. Sempre protegemos uns aos outros.

Também nunca usamos armas. Confiávamos apenas na nutrição. Todos eram atletas, bem nutridos. Após praticarmos esportes o dia todo, ainda sobrava energia pra gastarmos durante a noite. Na verdade não precisávamos nem das lícitas pra dar risada.

Numa dessas noites, já passando pra o outro dia, resolvemos, já que não tínhamos nada pra fazer, irmos pro cemitério. Combinamos tomar umas canhas, já que lá ninguém iria encher o saco e nem nos prender.

Dito e feito. Levamos a canha e a Coca-Cola (a Pepsi era muito doce, eo flavio gostava , assim, mais picantezinha). Fomos na Rubirosa, a gasolina pouca, mas conseguimos chegar ao destino, o que era bom, já que não tínhamos muita opção de abastecimento naquele momento.

Entramos, ficamos lá no meio conversando e rindo. Os guris eram Cabana, Vico, Chibo,eu José, Ney, Flávio,cezar, Cosme, Dilermando, Robson, e não me lembro quem comentou: “A coisa é desleal. Olha só, esses ricos levam vantagem! Tapados de coroas e das velas grossas..... E olha bem os mais pobres, sem nada... Como é que vão ser vistos por Deus?”

Aquele comentário, que não tinha maiores pretensões, gerou um ar de indignação cadavérica.

“Vamos arrumar o cemitério”.

E começamos. Juntamos todas as coroas bonitas, flores, arranjos, e fomos colocando naqueles túmulos mais humildes. Os copos de leite murchos, as rosas e margaridas, que repousavam em latas de legumes, foram pra os túmulos dos mais privilegiados, os providos de sorte em vida.

Lá pelas 4h da madrugada, com tudo pronto, sobraram umas 6 coroas de bom porte. Estávamos já sem criatividade, e sem canha, onde elas poderiam ser usadas. Resolvemos ir embora, colocamos aquelas 6 coroas no Rubirosa e largamos. Na esquina da 7 de Setembro com a Canabarro, a gasolina acabou de vez. Colocamos as coroas no pescoço, afinal, se deixássemos na camionete, iamos deixar rabo. Todos ébrios, cantando e fazendo festa, mas lembrando de buscar a Rubirosa no outro dia, que, imobilizada não iria a lugar nenhum.

Dobramos a Riachuelo à esquerda, arrancamos uma placa que estava caindo perto da esquina. No meio da quadra ficava a casa da g. P., onde colocamos a placa no jardim por dentro do portão. Penduramos junto 2 coroas maravilhosas. Demos uma pedrada na porta e corremos sem esperar o resultado.

Seguimos, João Brasil, Bento Martins... Na esquina, o Ney já ficou em casa. Em direção á minha residência, a parceira já estava desfalcada e cada vez se dissipando mais. Já depois da casa do Ney, estávamos apenas eu, Flávio, Cabana e Chibo (Caio Villanova).

Na metade da quadra, morava a Dona Salustia, que tinha perdido o marido e tinha um medo mortal de morrer. Deu o brilho nas mentes: “Vamos colocar uma coroa pra Dona Salustia”. Antes da porta tinha um alpendre... Penduramos 3 coroas, para que pudesse ser vista ao abrir da persiana. Não contentes, arrumamos um papel pardo onde escrevemos um bilhete bem visível. Dizia: “SALUSTIA, EM BREVE VENHO TE BUSCAR. ASSINADO: ALBERTO”.

Batemos bem forte na porta até confirmar que havíamos acordado os moradores, corremos até a esquina pra vermos o resultado.

Foi dramático. E veio até ambulância. Chamaram o Ari, filho adotivo, baita borracho, pai dos menine., para fazer o acompanhamento.

Não tínhamos mais nada para realizar, e resolvemos ir embora. Eu e o Flávio pra um lado, o Chibo e o Cabana pela outra rua, encarregados de se livrar da coroa que tinha sobrado.

7h e pouco, eu dormindo que nem um anjo... A Ida acostumada a levantar cedo, enquanto o Alver tomava mate, ia varrer a frente da casa. Meu quarto era na sala da frente, num móvel que se abria, e a cama ficava fechada durante o dia, era uma estante.

Me acordei com aquela louvação: “Ai, meu Deus... É despacho! É coisa de caboclo, encomenda... Chama o Padre Antônio pra benzer e passar água benta na casa toda”.

O Chibo e o Cabana, antes de ir embora, resolveram passar na minha casa e me contemplar com a dádiva que havia sobrado, deixando a última coroa atada na fechadura da porta. Ouvi o Alver dizendo: “Mas te acalma, mulher! Isso não é coisa de religião, vamos ver o que é isto...”. E ela se escabelando!

Levantei e logo entendi o que tinha se passado. Fui até a porta, desatei o presente e levei até o pátio, guardando no galpão, pra depois ver o que fazer. A Ida, em descontrole, dizia: “Não toca, meu filho, que vai te secar as mãos. Espera o padre...”.

O Alver logo viu que tinha truta no anzol. Sentou e tomou mais uns mate. A Ida de escapulário, rezava o terço. O ambiente tava cavernoso. Me levantei perto do meio dia, a coroa no galpão. Deus é grande, foi a minha sorte. Vejo subindo pela Bento Martins, vindo da Vila Progresso, uma carroça, trazendo um caixão ocupado,cortejo de uma gente bem humilde, pra um enterro no cemitério municipal. Ao passar na frente, sem ninguém de casa ver, aproveitei e doei a coroa para o falecido, em nome do Sargento Alver, o que os deixou muito agradecido.

A Ida não entendeu onde foi parar a coroa. O Padre foi de tarde dar as bênçãos, mas não achou nada. Segundo eles, foi Deus... O Alver não engoliu.!

2 comentários:

  1. Bom, partindo de voces(uma gurisada que só abaixo de porrete, não duvido nada!), mas, como conheço a maioria, fico imaginando a Dª Ida(muito carola) falando e o seu Alver, índio que não se assustava na primeira bala, dizendo te acalma mulher. Mas, ainda vou aguardar outras estórias, falta o seu Macedo e o Roberto no pneu.

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  2. Muuuuuuuuuuuuito boaaaa! HAUHEIUAHUEIAHIUEA

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