sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A MORTE DO POPOIO


O Popoio, Cândido Levi (pai do Luiz Cândido), com larga vivência, cozinheiro de mão cheia, já tinha feito de tudo que é bom. Viajava pelo mundo em navios como cozinheiro, para contrabandear perfumes e whisky, difíceis de conseguir na época, o que rendia excelentes lucros.

Não contente com as viagens, mas já com a clientela pronta, fez um intercambio tecnico com um primo e aprendeu, lá no Urugua,a falsificar wiski, primo este muy ligeiro, o Dino , que logo foi superado, com louvores pelo aluno.(em perídos difíceis eu ajudava na distribuição dos importados). A atividade ia bem. Durou alguns anos, mas ele terminou descoberto e perseguido pela lei algumas vezes, teve que suspender o negócio por causa do excesso de “mordidas” dos home.

Acabou como banqueiro do jogo do bicho, acreditando nos lucros, o que no fim terminou com sua saúde (eterno boêmio, era o único bicheiro que falia a cada apuração!). Antes de cada sorteio da Loteria, já tinha tomado um litro de café e fumado dois maços de cigarro. Durante a divulgação dos resultados, a aspirina funcionava. Cada vez que sorteavam uma centena que ele não queria, era um “xilique”, que durava até a proxima apuração.

O Popoio tinha sido internado no Hospital da Vila Nova (Porto Alegre, onde morávamos) com deficiencias respiratórias e cardiacas. No domingo, uma semana após a internação,domingo a tarde, ligaram do hospital pra casa dele, onde eu me encontrava, e nos informaram de sua morte.

Eu, com pouca experiência com morto, chamei o compadre Ike, que estava de plantão no Hospital Conceição. Ele conseguiu se liberar e se apresentou com aquele ar de gerente de enterro, encaminhando tudo. Ar este que eu só tinha visto no Tio Nico.

Levaram o corpo para o São Miguel e Almas. Isto já era noite... O quórum era pequeno e com tendencia a diminuir, e acabamos ficando apenas eu, o Ike e o Luiz Cândido.

Passou a meia noite, esfriou,e nós com fome e frio, resolvemos procurar um lugar pra comermos alguma coisa. Fechamos a porta da capela velatória e saímos. O Ike, médico entendido, já disse: “Nem esquentem que ele não vai fugir daí...”

Encontramos uma lanchonete na parte externa do cemitério que ficava aberta 24h para essas ocasiões. Ninguém tinha intenção de beber, pois estávamos realmente chateados. Todo domingo tinha churrasco na casa dele, e os de Rosário que conviviam conosco, fosse uma vez ou outra, iam junto (Ney, Flávio,eunice, Dinho, Baixinho, José, Cabeludo, etc.).

Mas como o frio era grande, resolvemos, antes de comer, tomar uma vodka com limão pra esquentar. Aquela primeira puxou outra... E mais outra... Terminando um litro. Acabamos não comendo nada e levamos mais de meio litro do liquido, pra caso esfriasse mais. Afinal, a madrugada era longa.

Voltamos pra capela, e ficamos lá elogiando os feitos do Popoio... E já imaginando a falta que iria fazer, principalmente nos domingos... Seguiu a madrugada, quando o Luiz Cândido fez o seguinte comentário: “Bem que o papai poderia ter deixado um ‘número’ pra nós, né Ike, já que ele era do ramo...talvez tenha alguma influencia...”.

Os dois eram fanáticos pelo jogo do bicho. Sem muito alarde, começaram a dar uma olhada, pela tampa e laterais do caixão... Eu já fui entrando embaixo também, procurando a sorte, mas por ali não havia número nenhum.

Sem desanimar, concordamos que ele poderia vir a estar deitado em cima do número da sorte, e resolvemos examinar. Levantamos o tronco dele, eu e o Luiz Cândido, e o Ike examinou tudo, até embaixo do forro. Até o Ike recolocar as tachinhas da forração, ficamos uns 20 minutos agarrados no Popoio com o tronco dobrado.

Deitamos o tronco e levantamos as pernas. Mesmo procedimento e nada. Resolvemos então desistir. Colocamos o Popoio na posição inicial, mas ele não voltou pra seu estado original. Com aquela flexão, os pés ficaram mais altos do que o caixão. Mas como estávamos na presença de um Dotô, especialista em rigidez cadavérica, resolvemos seguir os seus conselhos: “Aperta os pés e segura um tempo, que em seguida ele volta ao normal”.

Não voltou. Era só largar e os pés subiam...até melhorou um pouco, entrou pra dentro do caixão ,as pontinhas do salto dos sapatos, e o nosso tempo ja estava se esgotando.

Sempre orientados pelo Dotô, tomamos uma decisão. Tiramos o Popoio da urna e o colocamos de bruços em duas cadeiras, sendo uma no peito e a outra próxima aos joelhos.

Em princípio, pressionamos com cuidado, mas depois tivemos que colocar o Luiz Cândido, que era o parente mais próximo, debruçado em cima dele até restabelecermos a posição que queríamos, já que com sutileza, não estava funcionando (a roupa que a funerária vestiu o Popoio era aberta na parte de trás, e durante a aprumação, os gomos ficaram expostos...).

Colocamos ele de volta no lugar e organizamos tudo como antes, mas ele ficou um pouco empenado, passado do ponto, o que chamou a atenção da Tia Íria, a viúva, irmã da Ida, que chegando no local pelas 6h da manhã, logo perguntou: “Meu filho, teu pai ta inchando? Parece mais barrigudo...”.

Quem olhava pra cara do Popoio, tinha certeza que ele tava rindo, só não sabia o porquê...

A Vera chegou, se interou dos acontecimentos da noite e deu um ataque de riso. Não conseguia olhar pro defunto, o que gerou um comentário da viúva: “A pobrezinha ta nervosa... É normal...era como uma filha pra ele”

Seguiu o velório. Encomendamos uma coroa em súcia, eu e o Ike. Já o Luiz Cândido quis uma só dele. A nossa chegou primeiro, bonita e vistosa. Dali a pouco chegou a do Luiz Cândido, com umas flores já pendendo pra desidratação. Não deu outra! Começamos a gozar que a coroa dele, apesar de mais cara, era de segunda ou talvez terceira mão. Até que não aguentando a pressão, chamou o fornecedor, dizendo que a nossa era mais viva, e ele não iria pagar por aquela usada.

Discutiram, o cara saiu e não falamos mais no assunto, mas continuamos a fazer “senhas” pra ele, mostrando a coroa. 11h e já se aproximava o sepultamento, o Padre “encomendando” o corpo (o que não ia influenciar muito). A capela bem concorrida, quando entrou uma baita coroa e substituiu a outra. O Luiz Cândido, na cabeceira do caixão, cheio das lágrimas, procurou eu o Ike com o olhar, não agüentou e perguntou: Qual a coroa mais bonita agora? olhem bem!! Ganhei da de vocês!!!”seus palhaços.

Ficamos quietos. Seguimos o cortejo até onde seria o sepultamento. Quando estávamos colocando a urna no “apartamento”, 2º andar, o Luiz Cândido se virou o Ike atras dele,dizia: “Ike, olha o número!! Ta aí!! Olha o número”. Cada “apartamento” tinha quatro unidades... Ninguém entendia nada, só eu, o Ike e a Vera.

Terminou o féretro e fomos pra casa. Os dois jogaram no bicho o número da tumba por 3 dias seguidos, e nada.

No sabado, 6 dias após, deu o número do ap. do popoio inteiro invertido no 1º prêmio da Loteria Federal. Mas eles já tinham parado de apostar no finado.

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